Inspirou-se em Mt 9,9 –
Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado ao telónio, e disse-lhe: segue-me.
Ele levantou-se e seguiu-o.
Apresentamos alguns
pormenores ou curiosidades desta pintura. São apenas alguns exemplos, pois muitos
outras poderão ser sugeridos e que poderão ser uma frutuosa reflexão sobre qualquer espécie de vocação.
A pintura divide-se em dois
planos: Um superior composto por luz e sombra com uma janela ao centro. A
claridade não vem da janela, mas de fora, do canto superior direito. O outro plano
é composto por dois grupos de personagens que se orientam da sombra para a luz.
O plano superior é assim o resumo ou o reflexo do plano inferior e vice-versa.
A luz que incide sobre
Mateus, o chamado, vem de fora, não da janela, nem do próprio Jesus, pois vem
de fora do quadro (escolhido desde toda a eternidade).
O ambiente retrata o telónio
ou o lugar de cobrança e de contagem de impostos, mas mais parece uma taberna,
ou lugar de pecadores e publicanos.
Ressalta assim o contraste
entre a riqueza, a ganância e o antro de pecadores. Jesus era amigo de todos e
com todos se relacionava.
Apesar de faltarem os copos
e o vinho não falta o ambiente ébrio à volta da mesa.
Em cena estão dois grupos de
personagens.
O primeiro grupo é composto
por Jesus e por Pedro, ambos de pé e descalços. De Jesus apenas é visível o
rosto, a mão direita e os pés. Fazem um retângulo vertical, grupo espiritual,
não acomodado, de passagem, peregrino, transcendente.
O segundo grupo está à
esquerda e é composto por cinco personagens, todos sentados à volta de uma mesa,
acomodados ou bem instalados, incluindo Mateus. Fazem um retângulo horizontal,
grupo terreno, em processo abertura para a direita.
Entre os dois grupos existe
um vazio escuro. É a mão direita de Jesus que faz a ligação dos dois espaços.
A mão de Jesus é parecida
com a que foi pintada por Miguel Ângelo na Criação de Adão. Em todo o caso, a
mão de Jesus aqui não tem os dedos enérgicos do Pai, mais parece a frouxa mão
de Adão (Cristo feito homem, novo Adão).
Cristo parece dizer, ao
apontar: Tu, segue-me.
Esta eleição é como uma
criação ou novo nascimento.
Também Pedro faz o mesmo
gesto de Jesus… Ele está a seguir o Mestre e está a representar a igreja que
recebe o mandato de continuar as mesmas obras de Jesus.
Os pés de Jesus encontram-se
já em direção à saída. É a caminhar, ou em movimento, que Jesus chama Mateus
(tal como ao caminhar na praia chamou Pedro e André, Tiago e João). Está perto
da porta, encaminhando-se para a saída, como quem diz que não há tempo a
perder, porque há muito a fazer. A linguagem do amor é aqui e agora, sem
adiamentos ou hesitações.
Os cinco personagens à volta
da mesa têm idades diferentes, parecem amigos ou cúmplices. Vestem-se todos
luxuosamente contrastando com a modéstia, simplicidade de Jesus e de Pedro que
até estão descalços.
Quem é Mateus?
Há duas hipóteses e parece
que o pintor deixou a composição ambígua, cabendo ao observador a escolha ou a
decisão (já que se trata de uma vocação ou escolha).
A primeira hipótese
identifica Mateus com o homem mais velho de barbas que aponta para si, como se
questionasse sobre ser ele ou não o escolhido por Jesus. O seu gesto é
traduzido como: - Quem, Eu?
Junto de Mateus estão dois
amigos também surpresos pelo convite. Voltam-se curiosos para Jesus, um com
intenção de proteger Mateus, pois coloca o braço sobre o seu ombro. O outro
mostra-se pronto para defendê-lo, ostentando uma espada à cintura.
Outros dois amigos continuam
entretidos na contagem do dinheiro, mostrando assim que continuavam ao serviço
de outro senhor que é o dinheiro (não podeis servir a dois senhores…)
Estas quatro personagens
retratam a complexidade da personalidade de Mateus. Ele está dividido nestes
dois grupos: por um lado curioso, mas pronto para proteger-se ou defender-se) e
por outro lado identifica-se com os que continuam entretidos, incapaz de deixar
essa vida para seguir uma nova luz.
Uma outra hipótese
identifica Mateus com o jovem no extremo esquerdo da mesa, ocupado com a
contagem das moedas. De facto, Mateus estava em plena ação do seu ofício quando
foi abordado por Jesus. Neste caso, o homem de barbas estaria a apontar para o
jovem Mateus, querendo dizer: - Quem, ele? É o pior de todos!...
Sabemos que os que conheciam
Mateus ficaram espantado pela sua eleição para seguir o Mestre Jesus.
Mateus estaria então
cabisbaixo com as moedas nas mãos, nos olhos e no coração. Essa atitude é
também ambígua: tanto pode ser sinal de que estava ocupado como pode ser sinal
de vergonha. O certo é que ele deixou o dinheiro como seu senhor para seguir
outro Senhor.
Finalmente, podemos observar
que o pintor retratou as personagens ao estilo do século em que as pintou e não
ao tempo de Jesus. Porquê?
Não foi apenas por uma
questão de escola, moda, estilo ou anacronismo.
É para que nos lembremos que
a história de Mateus é a nossa história. Todos somos como Mateus, pois Mateus
veste-se tal como nós, como um homem de cada tempo.
E tal como ontem, hoje e
sempre, quando Jesus passa, deixa um caminho de luz e tudo fica diferente: uns
envergonham-se, outros questionam-se, estes procuram proteção, aqueles
justificação, mas todos… todos devem sentir-se diferentes porque amados por
Ele.
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