terça-feira, 31 de julho de 2012

Inácio de Loiola

No dia da sua memória litúrgica, partilhamos duas mensagens:

1ª - "Disse Santo Inácio de Loiola: o homem foi criado para louvar, honrar e servir a Deus e por esses meios salvar a sua ama.
Eu não sou capaz de ficar por aí e o meu coração diz-me logo que o homem foi criado sobretudo para amar a Deus." (Pe. Dehon, NHV, vol III, Outubro 1865).

Então em que ficamos?
O homem foi feito para louvar, honrar e servir a Deus ou foi feito para simplesmente amar a Deus?
As duas coisas, pois ambos têm razão.
Louvar, honrar e servir a Deus é AMÁ-LO.
Amar a Deus não é algo de teórico, mas amar a Deus é HONRÁ-LO, LOUVÁ-LO e SERVI-LO.


2ª - Santo Inácio de Loiola costumava dizer que : "Não importa com o que a pessoa venha, importa que saia com o que é nosso".

Portanto não interessa fazer um escrutínio ou uma selecção das intenções, razões ou interesses de quem vem à Igreja. Basta saber transmitir aquilo que Deus quer, sem saber o que a própria pessoa espera.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Santiago


O Caminho de Santiago

Após a dispersão dos Apóstolos, Santiago foi pregar em regiões longínquas, passando algum tempo em Espanha, na Galiza. Quando voltou à Palestina, no ano 44, foi preso e decapitado. Dois discípulos, Teodoro e Atanásio, roubaram o corpo do mestre, embarcaram e em sete dias chegaram à Galiza e a Iria Flávia onde o sepultaram, secretamente, num bosque de nome Libredón.
Não há certezas quanto à data da descoberta do sepulcro apostólico, mas a maioria das fontes católicas apontam datas entre 813 e 820. Um ermitão do bosque de Libredón, de nome Pelágio observou durante algumas noites seguidas uma “chuva de estrelas” sobre um monte do bosque. Avisado das luzes, o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, ordenou escavações e encontrou uma arca de mármore com os ossos do santo.
No “Campus Stellae” – de onde se crê provir a palavra Compostela – foi erigida uma capela para proteger a tumba do apóstolo que se tornou um símbolo da resistência cristã aos ataques dos mouros. A partir do ano 1000 as peregrinações a Santiago popularizam-se, tornando-se a cidade num dos principais centros de peregrinação cristã (a par de Roma e Jerusalém).
No século XII é publicado o primeiro guia do peregrino (do Caminho Francês) – o Códice Calixtino (ou Liber Sancti Jacobi) atribuído ao Papa Calixto II, que proclama ainda que quando o dia do Santo (25 de Julho) é num Domingo, esse é um Ano Santo Jacobeu (com especiais bênçãos e privilégios espirituais para os peregrinos). Grupos de peregrinos começam a chegar de toda a Europa, desenvolvendo as cidades por onde passam, sendo o Caminho Francês o mais utilizado.
O Caminho de Santiago, tal como relatado no Códice Calixtino, é em terra o desenho da Via Láctea, porque esta rota se situa directamente sob a Via Láctea que indica a direcção de Santiago, servindo assim, na Idade Média, de orientação durante a noite aos peregrinos. Esta associação deu ao Caminho o nome de Caminho das Estrelas e fez com que a chuva de estrelas seja um dos símbolos do culto Jacobeu, juntamente com a Vieira, a Cabaça e o Bordão.


As vieiras dos peregrinos de Compostela

Na idade Média e muito depois, assistimos a uma larga invasão de conchas santiaguesas, não só no mundo dos peregrinos mas também nos domínios da literatura e da arte.
Os romeiros compravam pequenas estatuetas de azeviche, com um Santiago, de vieira na aba revirada do chapéu. De azeviche ou não estas imagens invadiram a Europa levando consigo a concha simbólica dos peregrinos compostelanos.
A referência mais antiga que se conhece vem do Liber Sancti Jacobi, da primeira metade do século XII:
Assim como os peregrinos da Terra Santa trazem consigo uma palma, assim os romeiros de Compostela levam conchas… e que as cosem alegremente nas capas, em memória de Santiago.
Explicação mística: A concha santiaguesa significa a boa obra, isto é, amar a Deus e ao próximo, pois a vieira tem duas partes (trata-se da interpretação mística arbitrária e parcial dum facto existente e não da sua causa).
Os peregrinos de Compostela levam consigo as vieiras santiaguesas, trazendo-as depois pela vida fora. Talvez a vieira não passasse dum distintivo documental dos que iam a Compostela, distintivo esse a que se foi ligando a ideia de privilégios sobrenaturais, Porquê a vieira e não outra coisa? A proximidade do mar sugere uma explicação de índole geográfica. A concha era um distintivo dos peregrinos que desembarcavam na costa da Galiza.
E podemos admitir a primitiva utilização prática dalgumas conchas maiores para beber água nas fontes.
Mais tarde: Milagre das conchas, citado por António Lopez Ferreiro, século XIII:
Um cavaleiro viajando pelas costas de Portugal até à Galiza, precipitou-se com o cavalo num abismo para o mar. Estando a perecer invocou Santiago. O Apóstolo tirou-o da água todo coberto de conchas que o faziam flutuar, salvando-se assim.
Assim nasceu uma explicação histórica e mística para as conchas dos peregrinos santiagueses, explicação em forma de profecia: Deus quis mostrar, aos contemporâneos e aos vindouros que os peregrinos devem trazer consigo tais conchas como aquelas que o cavaleiro foi aconchegado. Elas são o selo do privilégio dos súbditos de Santiago e por elas os reconhecerá Deus no dia do grande Juízo.
(Também os peregrinos eram sepultados com as conchas, mesmo anos depois,,, tal como os outros se enterravam com o hábito franciscano, pois Deus teria piedade deles, ao ver que tinham ido em romaria ao grande santuário da Galiza.
A Idade Média tinha o sentido sacramental das coisas. Podiam as vieiras, no começo não passar duma simples recordação sentimental de romaria longínqua a um santuário nos confins da Europa. Com o correr dos anos, ganharam significado religioso, tornando-se fonte e garantia de graças sobrenaturais, uma espécie de salvo-conduto para o dia do Juízo Final.
Realizava-se deste modo um certo equilíbrio psíquico. Se muitos perigos ameaçavam o homem, muitos eram também os meios de defesa contra eles – e os peregrinos de Compostela podiam marchar e morrer em paz. As vieiras obtinham para eles a misericórdia, pois este o reconheceria por devotos de Santiago.

(MÁRIO MARTINS, in As vieira dos Peregrinos de Compostela, Brotéria, Vol LXXVI, Fevereiro nº 2, pagina 164-174)



domingo, 22 de julho de 2012

Vinde Comigo


Ano B - XVI Domingo Comum

Jesus ensinou-lhes muitas coisas... eu procuro apenas aprender duas:

1. Jesus diz uma coisa e faz precisamente a mesma coisa. Ele prega o que vive e vive aquilo que prega, Há pela concordância entre as suas acções e os seus ensinamentos.
Jesus disse: Vind a mim todos os que estais cansados e oprimidos que eu vos aliviarei... achareis descanso para as vossas almas....
Agora põe em prática: Vinde comigo e descansai...
O que ensinou é assim praticado por ele...
Também posso tentar que haja concordância entre as minas acções e as minhas palavras, entre aquilo que digo e aquilo que faço....

2. Jesus diz: vinde comigo.... para que não tenhamos medo de lhe dizer também: Vem connosco Senhor...
Vem connosco para férias, vem connosco para o trabalho, vem connosco para esta viagem, vem comigo para a vida....
Que em todas as nossas actividades não esqueçamos de convidar a Jesus a nos acompanhar... pois sentiremos uma grande diferença.
Ele convidou-nos a acompanhá-lo, para que não não nos esqueçamos de pedir-lhe que nos acompanhe em todas as nossas actidades....

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Acerca das Letras (IV)


IV

            A fé é ainda a luz e a chave da história. A história do mundo, é a história da acção providencial de DEUS sobre a terra. Só este verdadeiro ponto de vista torna grandes os historiadores. Mais especialmente a história do mundo é a história de CRISTO, Cristo anunciado, Cristo revelado, Cristo lutando e reinando. Fora desta luz, todo o historiador é pequeno e todo o ensino da história é miserável.
            Vós podereis encontrar agradáveis descrições, investigações exactas, cronologia, factos, episódios, mas não encontrareis a história.
            A história não se compreende senão através de CRISTO. Só tem sentido quando converge toda para Ele; sem Ele, que é a marcha das nações através dos séculos? Uma confusão de povos que se empurram no espaço e no tempo, por caminhos sem saída e sem luz.
            O povo hebreu anuncia e prepara o Messias.
            Os grandes impérios levam o mundo à unidade e centralizem-no em Roma sua capital, para facilitar a fundação e o triunfo da Igreja. A vida dos povos modernos, é a luta de CRISTO contra os seus inimigos. O Pai prometeu-Lhe as nações. CRISTO conquista-as uma a uma.
            Por vezes perde-as parcialmente, mas é para fazer brilhar a sua glória com uma nova conquista.
            Isto é a história. A sua luz é CRISTO, o calvário e Roma são os seus cumes.
            Agora, dizei-me, que grandeza e que verdade podem ter os ensinamentos de mestres de história que não têm profundamente o sentido cristão?
            A antiguidade pagã teve historiadores gloriosos. Mas em quantos aspectos estes génios da história pagã foram pequenos e imperfeitos!
            Santo Agostinho na Cidade de Deus, Salvien no seu Governo Divino, e Sulpício Severo na sua História, tinham preparado o caminho ao herói da história cristã, o nosso Bossuet.
            Bossuet é o tipo mais perfeito do historiador. Não basta dizer que deu à sua história o brilho da política como Tucídides, da moral como Xenofonte, da eloquência como Tito-Lívio, da pintura dos caracteres como Tácito. Toda a sua glória vem da elevação das suas vistas, que parece ter tanto de inspiração como de fé.
            Lamentavelmente os mais eminentes escritores da restauração cristã, no século XIX, não voltaram os seus esforços intelectuais para o campo da história.
            Chateaubriand e José de Maistre, foram os únicos que mostraram através de alguns breves trabalhos, que eram da grande escola histórica cujo brilhante mestre foi Bossuet.
            Eles foram no entanto seguidos mais tarde por Montalembert, Ozanan, de Broglie, e todo um período de historiadores e hagiógrafos que honraram a Igreja.
            Numa página admirável, Chateaubriand dá-nos ao mesmo tempo a norma e o modelo de como escrever a história.
            “Coloquemos pois, diz ele, a eternidade como fundo da história dos tempos; relacionemos tudo com Deus, como causa universal. Exalte-se quanto se quiser aquele que, deslindando os segredos dos nossos corações, faz surgir os maiores acontecimentos das fontes mais miseráveis: DEUS atento aos reinos dos homens; a impiedade, isto é a ausência das virtudes morais, como razão imediata das desgraças de todos os homens. Tal é, segundo o que nos parece, uma história muito mais nobre e também muito mais correcta do que a primeira.
            E para nos mostrar um exemplo na nossa Revolução, digam-nos se foram causas normais as que, com o decurso de alguns anos, desnaturalizaram os nossos afectos e afectaram entre nós a simplicidade e a grandeza peculiares do coração do cristão. Tendo-se retirado o espírito de DEUS do meio do povo, só resta força da queda original, que retomou o seu domínio, como no dia de Caim e da sua raça. Quem quisesse ser razoável sentia em si alguma impotência para o bem. A bandeira vermelha flutua nas muralhas das cidades, a guerra é declarada às nações: cumprem-se então as palavras do Profeta: “Os ossos dos reis de Judá, os ossos dos sacerdotes, os ossos dos habitantes de Jerusalém serão retirados da sua sepultura.” Réu contra os soberanos, calca-se aos pés as instituições antigas; réu contra as esperanças, nada se funda para a posteridade!...
            Enquanto este espírito de perda devora interiormente a França, um espírito de salvação defende-a a partir de fora. Ela só tem prudência e grandeza nas suas fronteiras: no interior tudo é arrasado, no exterior tudo triunfa. A pátria já não está nos seus lares, ela está num campo do Reno como na época da raça Merovíngia.
            Uma semelhante combinação de coisas não tem princípio natural nos acontecimentos humanos. O escritor religioso pode só descobrir aqui um profundo desígnio do Altíssimo; se as potências coligadas quisessem somente deter as violências da Revolução e deixar depois a França reparar os seus males e os seus erros, talvez tivessem conseguido. Mas DEUS viu a iniquidade dos acontecimentos, e disse ao soldado estrangeiro: “Quebrarei a espada na tua mão e tu não destruirás o povo de São Luís.”
            Assim a religião conduz à explicação dos factos mais incompreensíveis da história.
            Depois destas páginas é-me permitido ainda exclamar: “Em história, o cristianismo não é cegueira, é altura e extensão do olhar.”
            Mas detive-me a tratar uma questão muito vasta e muito geral, e nada disse acerca da nossa obra em particular, do seu passado tão curto e do seu futuro cheio de esperanças.
            Ainda não dirigi à distância um testemunho de gratidão e de filial devoção ao nosso Bispo e não agradeci ao Monsenhor Arcipreste seu delegado, cuja solicitude pela nossa obra é contínua. Não vos tranquilizei acerca da perpetuidade da obra e do seu desenvolvimento.
            Mas tenho eu necessidade de me alongar sobre este ponto? Não envio eu hoje mesmo pelo nosso departamento uma centena de mensageiros fiéis e abnegados que vão contar o que viram e ouviram, a entrega do superior e dos professores à sua obra, os esforços realizados, os projectos preparados e as esperanças comuns?
            Deixo-lhes o cuidado de colmatar nas confidências íntimas do lar paterno esta segunda parte da minha tarefa. Eles o conseguirão com a eloquência que a alegria resultante dum ano bem cheio e o afecto que dedicaram aos seus mestres.

           




quinta-feira, 19 de julho de 2012

Acerca das Letras (III)


III

         Mas é tempo de falar das letras francesas. Por que não lançar primeiro um olhar à poesia épica da Idade Média? Foi posta de lado a partir do Renascimento, desde que a França, esquecendo a sua poesia nacional, se apaixonou pelas obras da antiguidade. Estranha cegueira! Os nossos poemas nacionais tiveram a mesma sorte das nossas esplêndidas catedrais. Tinham caído no esquecimento ou sido desprezadas. Mas a França está a recuperar por si própria deste espantoso menosprezo. A arte da Idade Média reconquistou a sua honra e os nossos antigos poemas a sua glória. Os nossos velhos historiadores nacionais também, os nossos Heródotos e os nossos Tucídides franceses, Villehardouin e Joinville, são relidos e saboreados.
         A canção de Rolando é a pérola dos nossos duzentos poemas nacionais. É a nossa Ilíada com uma forma menos perfeita mas com um pensamento mais elevado que o de Homero.
         A canção de Rolando, é o quadro da nobre e cavaleiresca França da Idade Média, mas é também a pintura orgulhosa e grande da França filha mais velha da Igreja e do exército do sargento de CRISTO.
         É curioso ver Bossuet e Victor Hugo concordar neste julgamento. O poeta do século XIX, como o teólogo do século XVII, lamenta que a literatura do grande século não tenha invocado o cristianismo em vez de adorar os deuses pagãos, e que os seus poetas não tenham sido, como os dos tempos primitivos, “padres cantando as grandes coisas da sua religião e da sua pátria.”
         Apesar disso, o século XVII, o grande século clássico, é inteiramente nosso. O século XVII é Bossuet com o seu génio de historiador e de orador, é Racine cujas obras que se tornam mais puras à medida que o autor se torna cada vez mais religioso, até terminar em Atalia. É Massillon e Bourdaloue, o Cícero e o Demóstenes modernos. É Corneille com o seu Polyeucte. E perguntamos como podem mestres livres-pensadores explicar sem incorrer em profundas lacunas estes modelos tão profundamente cristãos.
         A incredulidade foi no século XVIII a principal causa da decadência do gosto e do génio. Se o século XVIII literário é inferior ao de Luís XIV, não encontramos outra causa que não seja a religião.
         Os quatro nomes brilhantes aos quais se resume a literatura deste século, são Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Buffon.
         Voltaire deve os primeiros desenvolvimentos do seu espírito a dois jesuítas distintos, os padres Porée e Le Jay.
         Infelizmente cedo encontrou protectores que o introduziram na sociedade mais corrupta de Paris, no Marais, onde aprendeu a insultar a religião, a moral e o poder. Confirmou que os costumes graves e um pensamento piedoso são ainda mais necessários, no campo das musas, do que um grande génio. Nunca foi tão elevado, ficando sempre inferior a Racine, como quando quis ser cristão por um momento.
         As poucas páginas de Rousseau que oferecem verdadeiramente encanto, são aquelas em que ele se aproxima do cristianismo e em que se deixa levar como por distracção a louvar as virtudes cristãs.
         Montesquieu rebaixou as suas Lettres persanes deixando-se nelas cair em costumes licenciosos e na crítica da religião, mas elevou-se no seu Esprit des lois fazendo justiça ao catolicismo.
         Buffon não ignorou Deus. “Quanto mais penetrei no seio da natureza, dizia ele, mais admirei e profundamente respeitei o seu autor.” Mas falta-lhe sentimento, porque adorando o poder do Criador, ignorou a sua bondade.
         O grande movimento literário da Restauração na França, no século XIX, foi provocado pelo despertar religioso.
         Ainda que a literatura contemporânea não recupere o ensino clássico, é impossível que os professores de literatura não tenham a ocasião de iniciar os seus alunos nas suas belezas. Como o farão se não têm o sentido cristão? O espírito religioso é a chave destas obras-primas.
         Chateaubriand assumiu a tarefa de reconciliar o espírito francês com esta religião que os sofistas do século XVIII tinham apresentado como a inimiga das luzes, das ciências, das artes e da felicidade pública.
         Sabe-se que profunda emoção produziu o seu livro sobre o Génio do Cristianismo.
         M. de Bonald atacou de frente e com tanto sucesso como com dignidade as aberrações do seu tempo.
         José de Maistre é filósofo, moralista e historiador. Nas suas “Considerações sobre a França”, ele criou a filosofia da história da revolução francesa. Nunca as causas da nossa tormenta social foram julgadas com tanta elevação. Nunca o ensino lógico das circunstâncias foi mais apreciado. Ele mostra a origem de tanta desgraça na dupla degradação das ideias e dos costumes da época anterior. Ele vê em toda a parte os castigos provocados pelas faltas. Ele explica a vitória da Revolução sobre a Europa porque a França, ao mesmo tempo culpável e necessária ao mundo, deve ser ao mesmo tempo castigada e preservada…
         M. de Lamartine escrevia-lhe: “M. de Bonald e vós, Senhor Conde, e alguns homens que seguem de longe os vossos passos, fundastes uma escola imorredoura de alta filosofia e de política cristãs, que lança raízes sobretudo na geração que se educa. Ela dará frutos, e eles são julgados antecipadamente.”
         Lamartine devia ver também o seu génio desenvolver-se sob a protecção da fé e lhe emprestaram as suas mais suaves inspirações. Terminada a sua primeira educação, ele foi receber a segunda no Colégio de Belley sob a direcção dos Pais da fé. Ele conservou dos primeiros anos uma impressão profunda e uma recordação emocionada.
         É sob esta influência que escreve as suas Meditações sobre a Providência, A oração, Deus, O Cristão Moribundo, A Imortalidade.
         Foi no género cristão que Lamartine foi o maior e conquistou a mais legítima admiração.
         Para julgar os sentimentos em que se inspirava Victor Hugo na época das suas mais belas obras, em 1824, citemos algumas passagens de um manifesto que ele publicava então: “A sociedade, tal como a transformou a Revolução, dizia ele, teve a sua literatura repugnante e inepta como ela. Esta literatura e esta sociedade morreram juntas e não reviverão mais. A ordem renasce igualmente nas letras… A fé purifica a imaginação; temos poetas. A literatura actual, tal como a criaram Châteaubriand, Stael, La Mennais, não pertence de modo algum à revolução. A literatura actual é a expressão antecipada da sociedade religiosa que sairá com certeza do meio de tantos antigos destroços, de tantas ruínas recentes. Não é uma necessidade de novidade que atormenta os espíritos, é uma necessidade de verdade, e é enorme. Esta necessidade de verdade, a maioria dos escritores superiores da época procura satisfazê-la…”
         As provas, em minha opinião, são bastante claras. Depois deste rápido relance, não posso deixar de gritar com entusiasmo: “Na literatura o cristianismo não é a noite sombria, é a luz esplendorosa”.


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Frei Bartolomeu dos Mártires

Memória do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires

A) Em Braga
Frei Bartolomeu dos Mártires, sagrado bispo na igreja de São Domingos dia 3 de Setembro de 1449, pelo Arcebispo de Lisboa, Dom Fernando de Vasconcelos de Menezes, partiu para Braga, levando com a sua humildade e a sua pobreza, a maturidade dos 45 anos, e a santidade adquirida em 30 anos de vida religiosa.
A actividade do novo arcebispo e Senhor de Braga pode resumir-se em duas palavras: Caridade e Justiça.
À Companhia de Jesus deu o Colégio de São Paulo; à Ordem Dominicana deu o convento de Viana do Castelo; às mulheres velhas e desvalidas um hospício; aos pobres quando a peste um hospital completo, e ao arcebispado de Braga deu o Seminário Conciliar, o primeiro que em Portugal se fundou, em obediência ao sagrado Concílio de Trento.
E toda esta actividade sem deixar de visitar de três em três anos, as 1226 paróquias da arquidiocese e sem permitir que a balança da justiça perdesse a fidelidade que no dar o seu a seu dono quer no defender os direitos da Senhoria de Braga…

B) Em Trento
Partiu de Braga no dia 24 de Março de 1561 e chegou a Trento dia 18 de Maio. Nesta viagem de 332 léguas, feita em 56 dias e em 49 jornadas, o santo arcebispo procedeu como Primaz das Espanhas que era e se considerava…
Causou logo impressão… Disse para Roma o Bispo de Modena ao Cardeal Moroni: “Chegou ontem a Trento o Arcebispo de Braga, Primaz do Reino de Portugal, frade de São Domingos, rico de dois grandes esplendores: primeiro de uma raríssima vida exterior, humilde, sem arrogância, sem ruído, e depois de grande e rara erudição.
Entrou em discórdia Frei Bartolomeu por causa da precedência… Achava-se primaz da Espanha enquanto os espanhóis defendiam que primaz da Espanha era o arcebispo de Toledo.
Filipe II de Espanha (dominador também de Portugal, não permitiria que um prelado de uma província dominada passasse à frente dos seus arcebispos…
Apelaram a Roma… O Santo Padre deu ordem para Trento que sendo Primaz em Portugal, precedesse a todos os Arcebispos mas não à frente como Primaz da Espanha que seria o de Toledo.
O Senhor de Braga mandou dizer para Roma que não se sentando no lugar que teve até agora, quer ficar abaixo de todos os bispos, para que se veja, que ele se assenta fora do lugar que convém, até que possa defender por outra via as suas razões.
O Papa deliberou então que nenhum Primaz sem prejuízo dos seus direitos, tivesse outro lugar em TRENTO que não fosse o de Arcebispo, conforme a sua promoção: Queremos e mandamos pelo presente que todos e cada um dos prelados referidos, reunidos pro tempore em Trento… se assentem e tomem lugar em todos e cada um dos actos públicos… não se tendo em conta as dignidades primaciais sejam elas verdadeiras ou pretendidas…
Assim se evitou o fracasso de Trento por causa das precedências.
A Espanha ficou impedida de cantar vitória.
Portugal ficou como era, nada perdendo do seu direito.
Mais tarde Frei Bartomoleu foi convocado por Filipe II para ir às cortes de Tomar. Só foi com a condição imposta e aceite de ir, estar e voltar como Primaz da Espanhas. Assim no dia 16 de Abril de 1581, diante das Cortes reunidas no salão nobre do Convento de Cristo…

Vê-se aqui que o patriotismo não é incompatível com a santidade; e viu-se também que o prestígio de Portugal nada perdeu com a santidade e doutrina do frade de batina branca e capa preta do Arcebispo e Senhor de Braga e Primaz das Espanhas…
 ( Grande figura de um Arcebispo, Mons José de Castro, in Lumen, vol XX, Fevereiro 1956, fasc II, pag 97-109)

Frei Bartolomeu dos Mártires participou no 3º e último período do Concílio de Trento (1561-1563) - Frei Luís de Sousa descreve a acção bastante activa do Arcebispo de Braga atribuindo-lhe a célebre frase:
- Os Ilustríssimos e Reverendíssimos Cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma.

C) Na Santidade
Depois da missa veio alguém ter comigo:
- Eu pensava que o Sr. Padre ia celebrar a missa da Memória do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires com paramentos VERMELHOS.
- O Directório diz que deve ser celebrada a memória dos Pastores e por isso com paramentos brancos…
- Mas afinal ele não é dos MÁRTIRES?
- Sim. É dos MÁRTIRES só de nome…

E fiquei a pensar que ninguém deve ser Mártir só de nome… Todos os Pastores são de facto Mártires (pois dão a sua vida ao serviço do rebanho de Cristo) e todos os Mártires são Pastores (pois ensinam com a sua vida e o seu exemplo).
Peço hoje por intermédio do Beato Frei Bartolomeu dos Mártires que ninguém seja mártir só de nome mas que todos sejam pastores pela acção e santificação.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Acerca das Letras (II)


II

            Depois da epopeia bíblica, as letras cristãs, gregas e latinas, formam dois tesouros incomparáveis.
            Os nossos pais na fé não abordam de imediato todos os géneros, não têm tempo para tal; mas nos géneros que abordam, são desde logo superiores.
            Trata-se de conquistar o mundo para as ideias cristãs: eles escrevem apologias, discursos, tratados de filosofia e de religião. Eles negligenciam a poesia.
            Não pensam no teatro. É surpreendente?
            Oferecem-nos antes de mais nada a eloquência de fogo dos mártires, as suas respostas inspiradas e ardentes de fé e de caridade que por vezes convertem os seus próprios juízes e os seus algozes. As actas de São Sebastião, de Santa Perpétua, de Santa Inês, de Santa Cecília, as cartas de Santo Inácio de Antioquia, oferecem páginas admiráveis que não têm comparação no paganismo.
            Mas foi na arte oratória que os gregos cristãos alcançaram sem contestação o primeiro lugar.
            Basta citar Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório de Nazianzo, São João Crisóstomo.
            “As alegações de Santo Atanásio, diz Bossuet, são obras-primas de eloquência e de saber.”
            São Gregório de Nazianzo foi comparado a Isócrato, que parece ser o imitador. Soube aliar a doutrina mais profunda à graça e aos movimentos do estilo.
            As cartas que trocaram os dois santos amigos, Basílio e Gregório de Nazianzo, são também graciosas obras-primas onde se misturam os encantos de uma imaginação oriental com os de uma delicada sensibilidade de coração.
            Mas o rei da eloquência é Crisóstomo, o tipo de orador tão nobre quanto popular. Ele tem de Cícero a graça e a facúndia, e de Horácio a riqueza das imagens e a fidelidade das expressões.
            Os latinos não deram menos glória à Igreja do que os gregos nas letras.
            Tertuliano tem algo de rude na expressão, mas que vasta erudição, que força de dialéctica, que energia de estilo! É um prazer lê-lo; vence-se com elo o erro, gosta-se dele, porque percebe-se que ama a verdade com um coração de fogo.
            São Cipriano é um orador mais completo. A sua eloquência é mais doce e mais plena.
            Santo Ambrósio, diz Châteaubriand, é o Fénelon dos Padres da Igreja, como Tertuliano é o Bossuet.
            Ele foi também poeta, e os seus hinos, de uma simplicidade tão nobre e tão tocante, são uma das riquezas da nossa liturgia.
            São Jerónimo desdenhou por vezes a pureza da dicção, mas o seu estilo é vigoroso e grande como o seu carácter, e o seu coração palpita nas palavras. Ele seduz e alenta.
            São Leão Magno é um clássico. A sua dicção é pura, abundante e harmoniosa.
            Mas o mais prodigioso entre os padres Latinos é Santo Agostinho. Ele ocupa com Tomás de Aquino o cume do espírito humano.
            Que génio foi tão profundo e tão universal?
            Que importa, como anota Bossuet, que ele tenha incorrecções, se se impõe sobre todos pela grandeza, projecção e profundidade dos pensamentos? Domina todas as ciências que aborda: a história na “Cidade de Deus”; a teologia nos seus tratados sobre a graça e sobre a Sagrada Escritura; a filosofia nas suas controvérsias; a própria arte nalguns dos seus pequenos tratados; e as mais delicadas análises psicológicas nas suas Confissões e nas suas Meditações.
            Esta época dos Doutores da Igreja não pode ser avaliada com a mesma medida com que se avalia o século de Péricles e o século de Augusto. Ela não gozou da paz dos espíritos que permite apurar a literatura e a arte.
            É uma época de luta, de polémica, de propaganda e de conquista intelectual. Ela ultrapassa todas as outras nos géneros que lhe são próprios, o que é bastante para a glória da Igreja.
            Para completar o estudo dos Padres Latinos, convém dizer uma palavra ainda sobre São Bernardo, São Tomás de Aquino, São Boaventura e o seu século. Eles completam bem o ciclo de escritores cristãos de língua latina.
            São Bernardo é ao mesmo tempo o escritor místico, o poeta sagrado e o orador gracioso e persuasivo.
            São Boaventura é sábio, simples e piedoso.
            São Tomás de Aquino é o espírito mais vasto, o mais completo, o mais claro, o mais metódico que nos deu a grande família humana.
            Ele possuía e dominava Aristóteles. Conhecia Platão através de Santo Agostinho fortemente influenciado por ele. Permanecerá talvez até ao fim como o mestre dos Doutores da Igreja.
            Os Padres do século IV e do século V são como grandes convertidos. Devem uma parte da sua grandeza às letras pagãs, que tinham estudado durante a sua infância.
            Dá-se com eles o mesmo que com as basílicas de Constantino, que nos mostram a arte romana adaptada ao espírito cristão.
            A Idade Média é mais pura de qualquer influência. São Tomás, São Bernardo, Dante, são o fruto da seiva cristã sem mescla, como as nossas catedrais, as nossas epopeias nacionais, a nossa cavalaria e as piedosas figuras dos nossos vidreiros e dos nossos pintores anteriores ao Renascimento.




sexta-feira, 13 de julho de 2012

Acerca das Letras (I)

SEGUNDO DISCURSO
ACERCA DAS LETRAS CRISTÃS[1]
           

            Senhores,

            Dirijo-me aqui a amigos da nossa obra, a amigos da educação e da instrução cristãs; e nem deveria deter-me a demonstrar a sua grandeza e a superioridade. Mas, nestes tempos de agitação e de luta, a verdade é com frequência atacada, acusada, desfigurada, a ponto de até aqueles que a conhecem serem obrigados a reposicionar-se pela reflexão e pelo raciocínio, para não se deixar arrastar e raptar pelo sofisma.
            Todas as nossas posições são sucessivamente atacadas. Os nossos adversários atacam tanto a educação cristã, como o patriotismo cristão, como a moral cristã, como as letras cristãs.
            Hoje, é sobre este último ponto que queremos aceitar o desafio. Comprazem-se em desacreditar as letras cristãs e afirmar a pobreza e a inferioridade manifesta da nossa literatura.
            Ora bem, nós pensamos o contrário que a literatura cristã não tem nada a invejar às letras pagãs, e que se, por vezes, ela dá menos importância ao acabado da forma, ela impõe-se infinitamente pela elevação do pensamento e pela pureza dos sentimentos.
            Assim é com as letras cristãs com a arte cristã: As nossas grandes catedrais com as legiões de santos dos seus portais e dos seus vitrais, são menos perfeitas do que as do Partenon de Atenas e os seus frisos, mas o Partenon deixa a alma em terra, ao passo que as nossas catedrais cristãs levam-na até ao céu.
            Lancemos o olhar à grande epopeia bíblica, às literaturas grega e latina, e por fim às letras francesas.
É sempre proveitoso seguir CRISTO num ou noutro dos seus triunfos; a este contacto a alma cristã eleva-se, sente a sua grandeza e a sua nobreza; dela extrai emulação, coragem e alegria; expande-se num hino piedoso de louvor e de glória a DEUS e a CRISTO.

I
            Nós poderíamos responder sumariamente à objecção banal e por demais grosseira que nos colocam cada dia a respeito do obscurantismo clerical e da ciência laica. Bastará citar algumas linhas muito divertidas de um discurso de Monsenhor Freppel aos alunos de uma instituição eclesiástica.
            “É verdade, dizia ele, que os vossos mestres não são laicos, para falar em calão de hoje; mas, peço desculpa a uma parte do meu auditório, convém, não abusar desta palavra convertendo-a em certificado de capacidade, e supor que basta dizer-se laico para ser um homem instruído ou pertencer ao mundo eclesiástico para não sê-lo.
            Bossuet, Fénelon, Malebranche, Massilon e Bourdaloue, sabiam supostamente ler e escrever, e não eram laicos. Roger Bacon, Gervert, Albert o Grande, Copérnico e Gassendi, para só falar de mortos, fazem muito boa figura nas ciências naturais e exactas, e não eram laicos.
            Por outro lado, pretendo dizer que há ainda na França centenas de milhar de homens que não sabem ler, nem escrever, e lamento acrescentar que são todos laicos. Deixemos lá estes epítetos que não fazem sentido, que são até profundamente ridículos, quando se trata do saber e da instrução. Apreciemos a ciência e a virtude onde elas se encontram.”
            Mas a tese da superioridade das letras cristãs merece ser tratada com mais amplitude, e de receber um maior desenvolvimento.
            É um campo sem limites aberto ao nosso estudo. Não faremos mais do que respigar, tratando sumariamente alguns pontos indicados. Não bastou aos exploradores de Israel levar aos seus irmãos do deserto alguns cachos maravilhosos para provar a fecundidade da Terra Prometida?
            Comecemos por considerar a grande epopeia bíblica.
            O que é uma epopeia?
            Não é porventura um vasto poema que exalta a fé e os heróis das origens de uma nação?
            Pois bem! Não é a epopeia bíblica o poema, que narra as lutas e os triunfos de CRISTO para a fundação da Jerusalém celeste?
            Há como que três grandes actos nesta gesta, a mais sublime e a mais dramática que se pode conceber. O primeiro é CRISTO prometido, prefigurado, esperado, preparado. É todo o Antigo Testamento com a sua maravilhosa variedade.
            O segundo, é CRISTO realizado, vivo, morto, ressuscitado e conquistando o mundo através da Igreja e da Eucaristia; no texto sagrado, é o Evangelho com os Actos e as Epístolas.
            O terceiro, é o Triunfo definitivo de CRISTO na Jerusalém celeste com todos os companheiros das suas lutas e das suas vitórias. E este acto foi antevisto pelo apóstolo de olhar de águia, no seu Apocalipse.
            São Paulo, na sua magistral Epístola aos Hebreus, dá a chave do drama. Antes de nós, diz ele, tudo era figura e preparação. Agora, as coisas encontram-se ainda na sombra ou debaixo do véu, é o Reino de CRISTO escondido na Eucaristia e na Igreja. Mais tarde, será a luz plena e nós veremos CRISTO triunfante.
            E como tudo é maravilhoso nesta epopeia sublime, perante a qual as outras me parecem tão pequenas!
            Que variedade! E que unidade! Todo o poema canta a glória de CRISTO e dos seus eleitos.
            Pela grandeza dos pensamentos, ninguém hesita em proclamar a eminente superioridade da epopeia bíblica, mas pela própria forma literária, que livro oferece mais esplendores e riqueza?
            Reparemos as suas diversas partes.
            Primeiro a obra de Moisés.
            Moisés escrevia mil anos antes de Heródoto, o primeiro historiador grego, muitos séculos antes que algum poeta produzisse uma linha destinada à posteridade.
            Bossuet saúda Moisés “o mais antigo dos poetas e o seu modelo, o primeiro dos historiadores, o mais sublime dos filósofos e o mais sábio dos legisladores”.
            Os livros de Moisés impressionam-nos pela beleza dos quadros e descrições, e pelo interesse tão dramático das narrações. Quem não se emocionou com o relato das vicissitudes de José? É um drama completo cujo desfecho mostra o triunfo da virtude.
            Quem não leu com interesse as narrativas movimentadas do êxodo do Egipto e os milagres do Sinai? Moisés é aí, ao mesmo tempo, a testemunha, o herói e o historiador. É poeta muito especialmente no seu cântico após a passagem do Mar Vermelho e no discurso profético de Jacob.
            Quanto a acção de Moisés como filósofo e legislador excede a dos maiores génios do paganismo, Platão, Licurgo, Sólon, Cícero!
            Os outros livros históricos da Bíblia, como os dos Juízes, dos Reis, dos Macabeus, sem igualar os livros de Moisés, oferecem-nos no entanto autênticas belezas.
            É no livro dos Juízes que se lê o belo cântico de vitória de Débora, o apólogo gracioso das árvores que escolhem um rei, e o episódio tocante da filha de Jefté, reproduzido na Ifigenia dos gregos.
            É no livro dos Reis que se descreve a amizade tão emocionante de David e Jónatas, junto da qual a de Oreste e de Pylade, de Castor e Pollux, empalidecem.
            No livro dos Macabeus, que sublime quadro da luta do patriotismo e da fé contra a invasão estrangeira e a escravidão! Como Bruto e os Gracos são ultrapassados por estes heróis!
            Os livros de histórias particulares, as hagiografias de Rute, Judite, Tobias e Ester, oferecem-nos narrações atraentes e uma pintura fiel dos costumes da época.
            O livro de Rute, atribuído ao profeta Samuel, é uma deliciosa écloga cuja perfeição sem igual provocou a admiração do próprio Voltaire. Ele reconheceu nela a simplicidade ingénua e comovedora que nenhuma cena de Homero seria capaz de igualar.
            O livro de Tobias, o mais popular do Antigo Testamento, parece não ser mais do que a recolha das memórias dos dois próprios Tobias. Ele reúne as graças de uma amável simplicidade e de uma elevação tão celeste.
            Os livros Sapienciais deixam a perder de vista os livros análogos dos gregos. Nestas páginas tão graciosas como profundas, todos os recursos da arte são utilizados sem pretensões nem afectação. Não são figuras, alegorias, contrastes e imagens umas atrás das outras. José de Maistre fazia notar como Sócrates era pequeno ao lado do Livro da Sabedoria.
            Mas é sobretudo na poesia que a literatura sagrada mostra a sua excelência.
            Bossuet chamava os Salmos: “a mais divina poesia que jamais existiu.”
            Não foi nos livros sagrados que os poetas modernos encontraram as suas mais sublimes inspirações? Eles mesmos apontaram esta fonte como o seu Parnaso e o seu Peneo. Fontanes dizia: “O entusiasmo habita nas margens do Jordão.” Não é o cenário onde estes cantos nasceram e formaram a expressão do entusiasmo duma nação, também mais grandioso do que a solenidade dos jogos de Corinto ou de Olímpia? Eram estas festas anuais da Páscoa, do Pentecostes e dos Tabernáculos, em que todo um povo ia, com todo o ardor da sua fé, misturar as torrentes das suas vozes inumeráveis com os concertos da harpa e do saltério, enquanto os sacerdotes imolavam as vítimas e o Pontífice levava misteriosamente o incenso ao Santo dos Santos.
            Os Salmos exprimem sentimentos que sempre corresponderão às vibrações dos corações que possuem a verdade. Jamais passarão.
            Píndaro cantou os heróis e as cidades da Grécia. Horácio celebrou os prazeres e os deuses dos Romanos. Lê-se-os com curiosidade. Não se canta com eles. Canta-se sempre com David. A sua lira fará eternamente vibrar as almas para exprimir a bondade de Deus, a glória de CRISTO, a alegria dos justos e o castigo dos ímpios.
            O livro de Job não é menos sublime na sua profunda filosofia e nas suas descrições da natureza. Os seus quadros estão, como dizia Mons. Villemain, todas frementes de poesias.
            Entre os profetas, Isaías não tem igual. Não será ele, quiçá, o primeiro escritor do mundo? Bossuet, antes de escrever, relia uma página de Isaías para aí encontrar o sopro sagrado. Se Racine superou nos seus coros todos os autores líricos, é porque se aproximou de Isaías imitando-o.
            Não podemos multiplicar mais estes apontamentos.
            A epopeia bíblica, ultrapassa as outras, na medida em que o seu assunto domina os factos que os poetas profanos cantavam.
            O que é a tomada de Tróia pelos Gregos ou a conquista do Lácio por Eneias, ao lado do grande drama de CRISTO, conquistando ao seu eterno inimigo, o demónio, a terra e depois o céu?





[1] Discurso pronunciado na grande sala de festas do Patronato, 5 de Agosto de 1878, V. “A Semana Religiosa da Diocese de Soissons e Laon”, 5º Ano, 1878, pp. 445-446, Instituição São João, em São Quintino.

A verdade da Missão



6ª Feira - XIV Semana Comum

“Envio-vos como ovelhas para o meio de lobos. Portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas.”


Para falar da verdade da missão Jesus alude a 4 animais e às suas respectivas virtudes:
- Lobos – Dureza (coragem)
- Ovelhas – Mansidão
- Serpentes – Prudência
- Pombas – Simplicidade

A missão que nos dá é dura, exige coragem (para enfrentar os LOBOS)
É preciso mansidão (das OVELHAS) para formar comunidade e se deixar conduzir.
Às vezes será necessário rastejar (como as SERPENTES), passar despercebido, rebaixar-se para ir em frente com toda a prudência.
Quando surgir alguma perseguição é preciso elevar-se, voar com simplicidade (quais POMBAS) transcender-se, ser arrebatado pela inspiração do alto (não vos preocupeis com o que haveis de dizer pois o Espírito do alto vos surgirá).

Com qual destas 4 espécie de animais me pareço mais?
Com a virtude ou a capacidade representada por eles estou a precisar mais para abraçar a verdade da missão a que Deus me envia?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Acerca da Educação (IV)

IV
        
 Enfim, senhores, toda esta teoria tão sedutora acerca da educação cristã, do seu objecto, do seu método, será uma ilusão? A educação cristã produz os frutos que nós prometemos? O esboço apresentado, respondeu a esta concepção?
         Eu queria poder ler nas vossas almas, ou antes eu quereria poder abrir diante de vós os horizontes, para melhor vos fazer compreender os resultados da educação cristã. Eu quereria poder dizer-vos os resultados duma maneira muito imparcial. Talvez o melhor será, para descartar qualquer suspeita de imparcialidade, deixar falar as testemunhas.
         Há almas que parecem ter um dom especial para se manifestar, são as dos poetas. A Providência fez-nos encontrar o quadro das impressões de um poeta sentimental, que tinha conhecido a dupla educação de um colégio indiferente e de uma casa religiosa. Eis duas páginas de Lamartine, que vós julgareis [1].
         Comecemos pelo colégio indiferente:
         “Semelhante, diz ele, aos filhos dos bárbaros que mergulhavam alternadamente na água a ferver e na água gelada para que a sua pele ficasse insensível às sensações dos climas, a criança foi atirada à incredulidade e à fé. Ela entra num colégio dividido entre espírito e tendências. Ela precisaria de duas almas, mas só tem uma. Puxam-na e dilaceram-na em sentido contrário. A confusão e a desordem entram nas suas ideias; ficam só alguns fragmentos da fé e alguns da razão; a sua fé apaga-se, a sua razão sem ardor arrefece, a sua alma seca, e o seu entusiasmo muda-se em indiferença e em desalento.”
         Não é esta a história de muitas almas?
         Eis agora a impressão que o poeta tinha conservado da educação cristã numa casa religiosa:
         “Toda a arte dos nossos mestres consistia em nos interessarmos nós mesmos pelo sucesso da casa e em nos conduzirmos pela nossa própria vontade e pelo nosso próprio entusiasmo. Um espírito divino parecia animar com o mesmo sopro tanto os mestres como os discípulos. Todas as nossas almas tinham encontrado as suas asas e voavam num impulso natural em direcção ao bem e ao belo. Inclusive os mais rebeldes eram elevados e arrastados pelo movimento geral. Foi aí que eu vi o que se podia fazer dos homens, não mediante o constrangimento, mas inspirando-os.”
         Como este quadro é sereno e radioso e como contrasta com as sombras do primeiro!
         Depois do testemunho do poeta, eis a afirmação do bom senso. Dou a palavra a um bispo anglicano: A Inglaterra é a terra clássica do sentido prático. Ele fala da educação na América, país das experiências e das invenções. Lá, criaram escolas neutras, isto é, escolas sem Deus.
         O nome é pitoresco. Pode-se adoptá-lo para ilustrar muitas casas de educação francesas onde a religião é tão pouco viva que, ao vê-las, podem ser classificadas como neutras.
         Que dizia então esse bispo anglicano: “Que preferia mais de ver o islamismo ensinado nos internatos da sua diocese, do que ver implantar-se nela estas escolas donde a religião é completamente banida.” É a maneira de dizer como ele apreciava os resultados das escolas sem Deus na América.
         E agora o testemunho do homem de experiência, do homem dos negócios e do progresso. Trata-se do presidente da comissão francesa na exposição de Filadélfia em 1876. O testemunho é bastante recente. Testemunho muito comprometido com o movimento industrial e científico.
         Que é que ele diz no seu relatório sobre o ensino na América? Relata a decadência das escolas neutras e a superioridade incontestável, a prosperidade crescente das escolas católicas.
         As afirmações dos grandes espíritos estão de acordo com as do senso comum e da experiência.
         Aceitais como testemunhos suficientemente variados e autorizados o conde de Maistre, M. Thiers e M. Guizot? José de Maistre, representa a filosofia católica, M. Guizot representa os cultos dissidentes (protestantes) e M. Thiers representa as ideias ditas modernas. Eis as suas declarações: “Todo o sistema de educação que não assente sobre a religião, diz José de Maistre, cairá num abrir e fechar de olhos ou só verterá veneno no Estado. Se a educação não é entregue aos padres, e se a ciência não se põe em segundo plano, os males que nos esperam são incalculáveis: seremos embrutecidos pela ciência sem Deus, e este é o último degrau do embrutecimento.”
         M. Guizot dizia: “Ainda não se acredita suficientemente, que a instrução não é nada sem a educação. Ao que é preciso também acrescentar: Não existe nenhuma educação sem religião. A alma só se forma e se regula na presença e sob o império de Deus que a criou e que a julgará.”
         Por fim, para fechar a série de testemunhos que poderíamos prolongar indefinidamente, ficaremos com esta palavra de M. Thiers, que manifesta o seu sentimento sobre a educação: “A escola só será boa se permanecer à sombra da sacristia.” [2]
         O que o testemunho acaba de afirmar, não o prova também a razão?
         Não consiste a educação religiosa no cultivo das faculdades mais elevadas do homem, na civilização da inteligência e do coração?
         “Como seria, perguntava um dos eloquentes oradores da Cátedra de Notre Dame [3], um povo no qual a religião não tivesse reprimido na infância os instintos depravados? Ele poderia ter ciência, mas não fé; inteligência, mas não princípios. Conheceria o ódio, não o amor; a revolta, não a obediência; o desprezo, não o respeito; a voluptuosidade, não a castidade. Seria capaz de enriquecer, não de doar. Seria no seu conjunto um povo egoísta, concupiscente, voluptuoso, sem amor, sem generosidade, e para tudo dizer numa só palavra, um povo mal-educado!”
         Ide a um internato, a um colégio onde a religião é negligenciada, arrumada como assunto inútil, ou mesmo, enfim! menosprezada e insultada: que visão desoladora! Que horror moral numa idade em que a vida tem os seus mais belos esplendores! Procurai lá crianças que vençam o seu egoísmo, o seu orgulho, a sua independência, a sua cólera, a sua vontade sobre tudo; não encontrareis: a criança sem religião não domina as suas paixões.
         Lá vereis a criança já incrédula, já ímpia talvez; e este jovem ímpio, é altivo, orgulhoso, revoltado, insolente, grosseiro, voluptuoso, mau, quase bárbaro.
         A educação que não é francamente cristã, deixa o coração sem abertura, sem expansão e sem caridade.
         Ela tem falta de força e de graça para cultivar a mais bela das virtudes, a pureza, virtude eminentemente cristã, uma das virtudes reservadas, como dizia Lacordaire, virtudes que são a glória da Igreja.
         É preciso, com efeito, que o mestre seja um homem de Deus, para fazer uma santa protecção à volta do coração da criança, onde habita uma pureza ainda inconsciente e cândida, ou à volta do coração do adolescente que contém a tempestade e conhece já a honra de uma castidade provada.
         Só o homem de Deus saberá, no seu infatigável e inteligente desvelo, observar e escutar para desalojar o inimigo que ameaça; abrir os olhos para ver um sinal, as orelhas para ouvir uma palavra reveladora; afastar com uma mão discreta o veneno que se esconde num livro, numa amizade perigosa; velar, em suma, com uma solicitude maternal ou sacerdotal, e salvaguardando com a pureza todas as virtudes que formam a graciosa auréola da criança cristã.
         Desta maneira, a razão concorda com a experiência para proclamar que a educação cristã deve presidir aos primeiros anos da vida, se se quer dirigir esta vida para o seu verdadeiro ideal e se se quer obter espíritos verdadeiramente iluminados, caracteres enérgicos, corações generosos, homens de fé e de acção, capazes de todos os grandes ideais, de todas as decisões vigorosas, de todas as dedicações e de todos os sacrifícios pela religião e pela pátria.
         Isto será, espero, a consolação de Monsenhor Bispo de Soissons, nosso tão digno e venerado pontífice, por ter querido, com o contributo devotado de M. o Arcipreste, seu vigário geral, e sem se deter perante nenhum obstáculo, esta casa de S. João, que se esforçará, não ficando atrás de nenhuma outra em relação aos estudos, transmitir de geração em geração a educação cristã e a ciência da salvação.
         Agora, caras crianças, nós vos entregamos aos vossos queridos pais. Ide reencontrar a vida de família, e com ela o repouso e a expansão do coração.
         Os corações das crianças abrem-se muito à sua mãe. Confiai nas vossas mães. Enquanto os vossos corações e os delas estiverem de acordo, não tereis nada a temer.
         Nós vos entregamos com confiança aos cuidados de Deus que vos ama; aos cuidados dos vossos pais que são os vossos anjos visíveis sobre a terra; aos cuidados das vossas consciências que Deus ilumina e fortalece.
         Adeus por algumas semanas! Sede felizes, sede ajuizados, sede prudentes.
         O nosso afecto por vós dita-nos estes últimos conselhos; as vossas boas disposições asseguram-nos que sereis fiéis a tudo isso.







[1] Citado por P. Monfat, Educação, p. 104.
[2] Discursos políticos, 1850.
[3] Pe. Félix, Conferência sobre a educação.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Acerca da Educação (III)


III

         Depois de ter abordado os instrumentos da educação, é preciso falar do método.
         Uma questão fundamental no método da educação é discernir a motivação dos esforços do aluno.
         Conduzi-lo-emos pelo temor, pelo afecto, pelo sentimento da honra ou da fé?
         E antes disso, é preciso aceitar que a criança tem necessidade de uma firme orientação. Ela traz à nascença uma mistura de boas e más qualidades, de maus instintos e boas inclinações.
         A revelação de Moisés e de Cristo explica-nos esta misteriosa luta na alma da criança pela queda original. Há como que dois exércitos de tendências e de inclinações contrárias. Que orientações daremos nós às tendências em ordem ao bem? É preciso um ponto de união para estas forças e como um guião que as agrupe. Este será o pensamento dominador da alma e a impressão sob a qual nós nos meteremos.
         Qual será este pensamento ou este princípio dominador que sustentará a alma da criança no trabalho, no dever, na virtude, na constância?
         Os recursos humanos oferecem espontaneamente o temor, a vergonha ou a honra, e o afecto filial.
         O temor humano: não podemos privar-nos por completo da sua influência, mas fazer dela a principal motivação da criança, não é tornar azedo e seco o seu coração? Não será levá-la à dissimulação? De certeza absoluta só conseguirá extinguir os mais generosos impulsos da sua natureza, e diminuir a sua alma até dar a todas as suas acções este objectivo egoísta e sem nobreza, de evitar uma correcção.
         Vergonha e honra: é o princípio que aparece em primeiro lugar quando a educação não é fortemente cristã. Chama-se ainda a esta motivação, emulação; mas frequentemente o seu verdadeiro nome, é vaidade.
         Este princípio tem o seu valor. É muitas vezes um recurso, mas também amiúde parece superficial e perigosa. Superficial, porque apela às aparências da virtude. Pouco importa, para a maioria, o que diz a consciência, se as aparências são salvaguardadas e se a honra está assegurada. Perigoso, porque desemboca no amor-próprio, egoísmo e auto-complacência. Está aqui uma singular preparação para a vida de entrega, do dever e da generosidade que a sociedade cristã espera desta criança.
Os pais põem a sua confiança numa terceira motivação: o afecto filial. A criança, pensam eles, será fiel ao dever e à virtude para agradar àqueles que ama.
Este sentimento é digno, e queremos que não seja tão esquecido.
Mas será sempre suficiente? Não o vedes falhar na idade em que o adolescente consulta mais a sua imaginação perturbada e as paixões emergentes do que os afectos da sua infância?
 O que temos então para oferecer para preencher todas estas lacunas? Nós temos o princípio cristão, e queremos que seja ele a dar aqui o primeiro passo.
O pensamento de Deus, seu criador e seu mestre, da sua omnipresença, da sua justiça, da sua bondade, das suas promessas, de CRISTO redentor e da sua graça, da acção todo-poderosa da Eucaristia, e a doce influência das nossas festas cristãs, tais são os nossos recursos divinos, que produzirão, estamos certos, uma eclosão maravilhosa de piedade cristã e filial, de trabalho, de doçura, de caridade, de força e de constância.
Além da grande questão da motivação a dar ao aluno, há muitas outras questões de método.
Seria preciso falar da disciplina dos diversos ramos de estudos: letras, ciências, gramática, literatura, filosofia, línguas antigas, línguas vivas, história, geografia; da articulação destas diversas partes do ensino e do lugar a atribuir a cada uma delas. Seria necessário falar dos procedimentos da educação e do ensino, do ensino progressivo, do ensino pelos olhos, da psicologia da criança e do desenvolvimento das suas faculdades. Seria necessário distinguir os estudos úteis e os estudos de luxo.
Mas todas estas considerações seriam intermináveis. Nós temos um meio mais simples de dar a conhecer o nosso método. Ei-lo: tomamos no seu conjunto, o grande método cristão, aquele que começou depois da paz da Igreja, com os Padres da Igreja grega e os da Igreja latina; aquele que se tornou sucessivamente, adaptando-se às necessidades de todas as épocas, mas mantendo sempre os seus grandes princípios fundamentais, o método das escolas monásticas e das escolas episcopais da idade Média, o das grandes universidades do século XII, Bossuet, Fénelon, Fleury; o que foi codificado (legislado) pelo sábio e piedoso Rollin no seu Tratado dos Estudos.
Sim, este belo livro de Rollin parece-me dever ser definitivamente o código da educação. Os homens mais marcantes da universidade contemporânea reconhecem-no eles mesmos, pelo menos aqueles que não se deixam cegar pela paixão anti-religiosa. Vollemain e Nisard serão, em boa verdade, testemunhas autorizadas. Escutemo-los. “Nas coisas da educação, diz M. Nisard, o Tratado dos Estudos, é o livro único ou melhor ainda, é o livro! [1]
Villemain tinha dito: “Eu não analisarei esta obra, um pouco negligenciada nos nossos dias, como se se tivesse, depois de Rollin, descoberto métodos novos para formar a inteligência e o coração. Enfim! Não é assim: não se deu um passo; não se fará um melhor Tratado de Estudos” [2].
Sim, é precisamente a maneira de formar o espírito e o coração que ensina Rollin e esse é o objectivo da educação, e o seu método é mesmo o grande método cristão. Eu queria poder analisá-lo e assinalar-vos como ele é excelente na arte de ensinar as letras e na arte mais preciosa ainda de colocar as letras ao serviço da virtude. Tanto para cultivar os costumes do carácter, como também para o ensino técnico das línguas, da retórica e da filosofia, Rollin disse tudo, e tudo disse excelentemente.
É isto que Chateaubriand nos mostra como professor de história: “A narração do virtuoso reitor, diz ele, é completa, simples e tranquila, e o cristianismo, enternecendo a sua pena, dá-lhe alguma coisa que comove às entranhas. Os seus escritos revelam este homem de bem cujo coração é uma festa perene”. [3]
São estes os nossos mestres e os nossos modelos.
É verdade que este senado de mestres da educação já não está completamente na moda. A sua virtude sobretudo é modesta. É preciso folhear a história e procurar agrupar alguns irregulares do grande exército dos educadores. Fez-se isso nos nossos dias e apareceu Rabelais, Montaigne, Ramus, Condorcet, Rousseau e os Convencionais. Até se incluíram alguns dos seus escritos nos programas.
É preciso boa vontade para fazer deste conjunto uma escola de pedagogia, dita, progressiva, em comparação com os mestres da educação cristã.
Não perco a esperança de que estas buscas conscienciosas dos nossos adversários possam servir à nossa causa.
Os homens de boa fé dirão: Os adversários da educação cristã só encontraram estes nomes para opor aos de Basílio o Grande, de Gerson, de Bossuet, de Fénelon, de Rollin: a sua causa está julgada.
Houve algumas ideias aceitáveis no meio das obscenidades de Rabelais, que não seria muito do nosso gosto ir procurar lá.
Quanto aos inovadores da Revolução, é muitas vezes divertido lê-los.
É Lequinio, que declara que a literatura é inútil e que é absolutamente supérfluo ocupar-se dela [4].
É Lepelletier, maravilhado com os costumes de Esparta, a propor a educação comum das crianças dos dois sexos, em igualdade absoluta. “É preciso, diz ele, que todos tenham um corpo robusto, apto para o trabalho. Para isso, receberão uma alimentação frugal, sem carne nem vinho, e serão exercitados a trabalhar a terra. Se não houver cultura ao seu alcance, irão pelos caminhos a juntar e encaixar pedras”. É suficientemente democrático. De resto, não se lhes falará de religião positiva. É quase Rousseau no seu melhor, e, dos nossos dias ainda, Michelet extasiava-se diante deste projecto de Lepelletier que chamava “Revolução da infância” e “o Evangelho da pedagogia” [5].
É Saint-Just, um deputado eleito pelo departamento de Aisne, que quer também que as crianças sejam ensinadas até aos 16 anos às custas do Estado. É verdade que a sua educação não será dispendiosa. A sua alimentação será composta de frutos, legumes, leite, pão e água. O seu vestuário será de pano em todas as estações [6].
É Barrère propondo que se se desfizesse o mais depressa possível dos livros, “de toda essa papelada que sufoca o género humano”.
É o próprio Fourcroy, o químico, pedindo que deixe de haver colégios. “Instruir, é tiranizar; era preciso, dizia ele, entregar a criança a si mesma”.
É Cofinal, respondendo a Lavoisier que falava em favor das ciências: “Cala-te, a República não tem necessidade da química” [7]
É Bouquier, apresentando, com o aplauso da Convenção, um plano que proscrevia para sempre toda a ideia de estudos especulativos e científicos. “As mais belas escolas, dizia ele, as mais úteis, as mais simples, são as sessões das comissões. A Revolução, estabelecendo festas nacionais, criando sociedades populares, clubes, colocou em toda a parte fontes inesgotáveis de instrução. Não vamos, acrescentava ele, substituir esta organização simples e sublime como o povo que a criou uma organização artificial, baseada em estatutos académicos, que não devem voltar a infectar uma nação regenerada”.
E o seu projecto foi votado a 29 de Frimário do ano 11 (19 de Dezembro de 1793).
Aqui estão as ideias novas com as quais os educadores cristãos não tinham sonhado.
Mas é suficiente para nos divertir.
Preservando quanto à substância do grande método dos antigos, não pretendemos rejeitar as melhorias e as mudanças que o tempo e a experiência nos trouxeram.
Os progressos das ciências exigem que lhes seja dado maior espaço na educação.
A história, enriquecida pelas descobertas orientais e pelo estudo das fontes, deve ser ensinada de maneira mais completa.
A língua latina, não sendo já como outrora a língua do direito, da medicina e da filosofia, já não é necessário que se saiba escrever e falar; basta saber compreender as suas obras-primas.
A facilidade de ralações com o estrangeiro impõe-nos o conhecimento das línguas vivas.
O desenvolvimento da indústria deu lugar à criação de um novo sistema de estudos, que tem o seu espaço entre o ensino primário e as humanidades.
A difusão da gravura forneceu um novo recurso para a utilidade e o agrado dos nossos livros escolares.
Entendemos nada desprezar destas mudanças que se impõem e nada negligenciar destes progressos. Nós preencheremos o quadro comum dos estudos actuais enobrecendo-os com os meios próprios da educação cristã e completando-os conforme a rapidez do tempo o permitir.
Em resumo, sem desconhecer as exigências do nosso tempo para com a formação do espírito das nossas crianças, seguiremos, para a formação do seu coração, o método cristão, o método cristão tradicional que Rollin sintetizava nestas grandes linhas:
Estudar o carácter das crianças, para saber bem como dirigi-las; fazer-se amar por elas mais do que temer; falar-lhes à razão; habituá-las a ser sinceras; educá-las à higiene; tornar o estudo amável; e sobretudo fazer reinar entre elas a piedade, que resume e encerra todas as boas disposições do coração.
Se conseguirmos isto, tenho confiança de que alcançaremos muito apreço de vós, da França e de Deus.





[1] História da literatura francesa, t. IV, p. 122.
[2] Quadro da Literatura francesa no século XVIII, t. I, p. 226.
[3] Génio do Cristianismo, IIIª p. Liv III.
[4] Monitor de 16 de Julho de 1793.
[5] História da Revolução, t. IV.
[6] Obras políticas; Instituições Republicanas.
[7] Ver o Monitor de Outubro a Dezembro de 1793..