quinta-feira, 19 de julho de 2012

Acerca das Letras (III)


III

         Mas é tempo de falar das letras francesas. Por que não lançar primeiro um olhar à poesia épica da Idade Média? Foi posta de lado a partir do Renascimento, desde que a França, esquecendo a sua poesia nacional, se apaixonou pelas obras da antiguidade. Estranha cegueira! Os nossos poemas nacionais tiveram a mesma sorte das nossas esplêndidas catedrais. Tinham caído no esquecimento ou sido desprezadas. Mas a França está a recuperar por si própria deste espantoso menosprezo. A arte da Idade Média reconquistou a sua honra e os nossos antigos poemas a sua glória. Os nossos velhos historiadores nacionais também, os nossos Heródotos e os nossos Tucídides franceses, Villehardouin e Joinville, são relidos e saboreados.
         A canção de Rolando é a pérola dos nossos duzentos poemas nacionais. É a nossa Ilíada com uma forma menos perfeita mas com um pensamento mais elevado que o de Homero.
         A canção de Rolando, é o quadro da nobre e cavaleiresca França da Idade Média, mas é também a pintura orgulhosa e grande da França filha mais velha da Igreja e do exército do sargento de CRISTO.
         É curioso ver Bossuet e Victor Hugo concordar neste julgamento. O poeta do século XIX, como o teólogo do século XVII, lamenta que a literatura do grande século não tenha invocado o cristianismo em vez de adorar os deuses pagãos, e que os seus poetas não tenham sido, como os dos tempos primitivos, “padres cantando as grandes coisas da sua religião e da sua pátria.”
         Apesar disso, o século XVII, o grande século clássico, é inteiramente nosso. O século XVII é Bossuet com o seu génio de historiador e de orador, é Racine cujas obras que se tornam mais puras à medida que o autor se torna cada vez mais religioso, até terminar em Atalia. É Massillon e Bourdaloue, o Cícero e o Demóstenes modernos. É Corneille com o seu Polyeucte. E perguntamos como podem mestres livres-pensadores explicar sem incorrer em profundas lacunas estes modelos tão profundamente cristãos.
         A incredulidade foi no século XVIII a principal causa da decadência do gosto e do génio. Se o século XVIII literário é inferior ao de Luís XIV, não encontramos outra causa que não seja a religião.
         Os quatro nomes brilhantes aos quais se resume a literatura deste século, são Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Buffon.
         Voltaire deve os primeiros desenvolvimentos do seu espírito a dois jesuítas distintos, os padres Porée e Le Jay.
         Infelizmente cedo encontrou protectores que o introduziram na sociedade mais corrupta de Paris, no Marais, onde aprendeu a insultar a religião, a moral e o poder. Confirmou que os costumes graves e um pensamento piedoso são ainda mais necessários, no campo das musas, do que um grande génio. Nunca foi tão elevado, ficando sempre inferior a Racine, como quando quis ser cristão por um momento.
         As poucas páginas de Rousseau que oferecem verdadeiramente encanto, são aquelas em que ele se aproxima do cristianismo e em que se deixa levar como por distracção a louvar as virtudes cristãs.
         Montesquieu rebaixou as suas Lettres persanes deixando-se nelas cair em costumes licenciosos e na crítica da religião, mas elevou-se no seu Esprit des lois fazendo justiça ao catolicismo.
         Buffon não ignorou Deus. “Quanto mais penetrei no seio da natureza, dizia ele, mais admirei e profundamente respeitei o seu autor.” Mas falta-lhe sentimento, porque adorando o poder do Criador, ignorou a sua bondade.
         O grande movimento literário da Restauração na França, no século XIX, foi provocado pelo despertar religioso.
         Ainda que a literatura contemporânea não recupere o ensino clássico, é impossível que os professores de literatura não tenham a ocasião de iniciar os seus alunos nas suas belezas. Como o farão se não têm o sentido cristão? O espírito religioso é a chave destas obras-primas.
         Chateaubriand assumiu a tarefa de reconciliar o espírito francês com esta religião que os sofistas do século XVIII tinham apresentado como a inimiga das luzes, das ciências, das artes e da felicidade pública.
         Sabe-se que profunda emoção produziu o seu livro sobre o Génio do Cristianismo.
         M. de Bonald atacou de frente e com tanto sucesso como com dignidade as aberrações do seu tempo.
         José de Maistre é filósofo, moralista e historiador. Nas suas “Considerações sobre a França”, ele criou a filosofia da história da revolução francesa. Nunca as causas da nossa tormenta social foram julgadas com tanta elevação. Nunca o ensino lógico das circunstâncias foi mais apreciado. Ele mostra a origem de tanta desgraça na dupla degradação das ideias e dos costumes da época anterior. Ele vê em toda a parte os castigos provocados pelas faltas. Ele explica a vitória da Revolução sobre a Europa porque a França, ao mesmo tempo culpável e necessária ao mundo, deve ser ao mesmo tempo castigada e preservada…
         M. de Lamartine escrevia-lhe: “M. de Bonald e vós, Senhor Conde, e alguns homens que seguem de longe os vossos passos, fundastes uma escola imorredoura de alta filosofia e de política cristãs, que lança raízes sobretudo na geração que se educa. Ela dará frutos, e eles são julgados antecipadamente.”
         Lamartine devia ver também o seu génio desenvolver-se sob a protecção da fé e lhe emprestaram as suas mais suaves inspirações. Terminada a sua primeira educação, ele foi receber a segunda no Colégio de Belley sob a direcção dos Pais da fé. Ele conservou dos primeiros anos uma impressão profunda e uma recordação emocionada.
         É sob esta influência que escreve as suas Meditações sobre a Providência, A oração, Deus, O Cristão Moribundo, A Imortalidade.
         Foi no género cristão que Lamartine foi o maior e conquistou a mais legítima admiração.
         Para julgar os sentimentos em que se inspirava Victor Hugo na época das suas mais belas obras, em 1824, citemos algumas passagens de um manifesto que ele publicava então: “A sociedade, tal como a transformou a Revolução, dizia ele, teve a sua literatura repugnante e inepta como ela. Esta literatura e esta sociedade morreram juntas e não reviverão mais. A ordem renasce igualmente nas letras… A fé purifica a imaginação; temos poetas. A literatura actual, tal como a criaram Châteaubriand, Stael, La Mennais, não pertence de modo algum à revolução. A literatura actual é a expressão antecipada da sociedade religiosa que sairá com certeza do meio de tantos antigos destroços, de tantas ruínas recentes. Não é uma necessidade de novidade que atormenta os espíritos, é uma necessidade de verdade, e é enorme. Esta necessidade de verdade, a maioria dos escritores superiores da época procura satisfazê-la…”
         As provas, em minha opinião, são bastante claras. Depois deste rápido relance, não posso deixar de gritar com entusiasmo: “Na literatura o cristianismo não é a noite sombria, é a luz esplendorosa”.


Sem comentários: