terça-feira, 10 de julho de 2012

Acerca da Educação (IV)

IV
        
 Enfim, senhores, toda esta teoria tão sedutora acerca da educação cristã, do seu objecto, do seu método, será uma ilusão? A educação cristã produz os frutos que nós prometemos? O esboço apresentado, respondeu a esta concepção?
         Eu queria poder ler nas vossas almas, ou antes eu quereria poder abrir diante de vós os horizontes, para melhor vos fazer compreender os resultados da educação cristã. Eu quereria poder dizer-vos os resultados duma maneira muito imparcial. Talvez o melhor será, para descartar qualquer suspeita de imparcialidade, deixar falar as testemunhas.
         Há almas que parecem ter um dom especial para se manifestar, são as dos poetas. A Providência fez-nos encontrar o quadro das impressões de um poeta sentimental, que tinha conhecido a dupla educação de um colégio indiferente e de uma casa religiosa. Eis duas páginas de Lamartine, que vós julgareis [1].
         Comecemos pelo colégio indiferente:
         “Semelhante, diz ele, aos filhos dos bárbaros que mergulhavam alternadamente na água a ferver e na água gelada para que a sua pele ficasse insensível às sensações dos climas, a criança foi atirada à incredulidade e à fé. Ela entra num colégio dividido entre espírito e tendências. Ela precisaria de duas almas, mas só tem uma. Puxam-na e dilaceram-na em sentido contrário. A confusão e a desordem entram nas suas ideias; ficam só alguns fragmentos da fé e alguns da razão; a sua fé apaga-se, a sua razão sem ardor arrefece, a sua alma seca, e o seu entusiasmo muda-se em indiferença e em desalento.”
         Não é esta a história de muitas almas?
         Eis agora a impressão que o poeta tinha conservado da educação cristã numa casa religiosa:
         “Toda a arte dos nossos mestres consistia em nos interessarmos nós mesmos pelo sucesso da casa e em nos conduzirmos pela nossa própria vontade e pelo nosso próprio entusiasmo. Um espírito divino parecia animar com o mesmo sopro tanto os mestres como os discípulos. Todas as nossas almas tinham encontrado as suas asas e voavam num impulso natural em direcção ao bem e ao belo. Inclusive os mais rebeldes eram elevados e arrastados pelo movimento geral. Foi aí que eu vi o que se podia fazer dos homens, não mediante o constrangimento, mas inspirando-os.”
         Como este quadro é sereno e radioso e como contrasta com as sombras do primeiro!
         Depois do testemunho do poeta, eis a afirmação do bom senso. Dou a palavra a um bispo anglicano: A Inglaterra é a terra clássica do sentido prático. Ele fala da educação na América, país das experiências e das invenções. Lá, criaram escolas neutras, isto é, escolas sem Deus.
         O nome é pitoresco. Pode-se adoptá-lo para ilustrar muitas casas de educação francesas onde a religião é tão pouco viva que, ao vê-las, podem ser classificadas como neutras.
         Que dizia então esse bispo anglicano: “Que preferia mais de ver o islamismo ensinado nos internatos da sua diocese, do que ver implantar-se nela estas escolas donde a religião é completamente banida.” É a maneira de dizer como ele apreciava os resultados das escolas sem Deus na América.
         E agora o testemunho do homem de experiência, do homem dos negócios e do progresso. Trata-se do presidente da comissão francesa na exposição de Filadélfia em 1876. O testemunho é bastante recente. Testemunho muito comprometido com o movimento industrial e científico.
         Que é que ele diz no seu relatório sobre o ensino na América? Relata a decadência das escolas neutras e a superioridade incontestável, a prosperidade crescente das escolas católicas.
         As afirmações dos grandes espíritos estão de acordo com as do senso comum e da experiência.
         Aceitais como testemunhos suficientemente variados e autorizados o conde de Maistre, M. Thiers e M. Guizot? José de Maistre, representa a filosofia católica, M. Guizot representa os cultos dissidentes (protestantes) e M. Thiers representa as ideias ditas modernas. Eis as suas declarações: “Todo o sistema de educação que não assente sobre a religião, diz José de Maistre, cairá num abrir e fechar de olhos ou só verterá veneno no Estado. Se a educação não é entregue aos padres, e se a ciência não se põe em segundo plano, os males que nos esperam são incalculáveis: seremos embrutecidos pela ciência sem Deus, e este é o último degrau do embrutecimento.”
         M. Guizot dizia: “Ainda não se acredita suficientemente, que a instrução não é nada sem a educação. Ao que é preciso também acrescentar: Não existe nenhuma educação sem religião. A alma só se forma e se regula na presença e sob o império de Deus que a criou e que a julgará.”
         Por fim, para fechar a série de testemunhos que poderíamos prolongar indefinidamente, ficaremos com esta palavra de M. Thiers, que manifesta o seu sentimento sobre a educação: “A escola só será boa se permanecer à sombra da sacristia.” [2]
         O que o testemunho acaba de afirmar, não o prova também a razão?
         Não consiste a educação religiosa no cultivo das faculdades mais elevadas do homem, na civilização da inteligência e do coração?
         “Como seria, perguntava um dos eloquentes oradores da Cátedra de Notre Dame [3], um povo no qual a religião não tivesse reprimido na infância os instintos depravados? Ele poderia ter ciência, mas não fé; inteligência, mas não princípios. Conheceria o ódio, não o amor; a revolta, não a obediência; o desprezo, não o respeito; a voluptuosidade, não a castidade. Seria capaz de enriquecer, não de doar. Seria no seu conjunto um povo egoísta, concupiscente, voluptuoso, sem amor, sem generosidade, e para tudo dizer numa só palavra, um povo mal-educado!”
         Ide a um internato, a um colégio onde a religião é negligenciada, arrumada como assunto inútil, ou mesmo, enfim! menosprezada e insultada: que visão desoladora! Que horror moral numa idade em que a vida tem os seus mais belos esplendores! Procurai lá crianças que vençam o seu egoísmo, o seu orgulho, a sua independência, a sua cólera, a sua vontade sobre tudo; não encontrareis: a criança sem religião não domina as suas paixões.
         Lá vereis a criança já incrédula, já ímpia talvez; e este jovem ímpio, é altivo, orgulhoso, revoltado, insolente, grosseiro, voluptuoso, mau, quase bárbaro.
         A educação que não é francamente cristã, deixa o coração sem abertura, sem expansão e sem caridade.
         Ela tem falta de força e de graça para cultivar a mais bela das virtudes, a pureza, virtude eminentemente cristã, uma das virtudes reservadas, como dizia Lacordaire, virtudes que são a glória da Igreja.
         É preciso, com efeito, que o mestre seja um homem de Deus, para fazer uma santa protecção à volta do coração da criança, onde habita uma pureza ainda inconsciente e cândida, ou à volta do coração do adolescente que contém a tempestade e conhece já a honra de uma castidade provada.
         Só o homem de Deus saberá, no seu infatigável e inteligente desvelo, observar e escutar para desalojar o inimigo que ameaça; abrir os olhos para ver um sinal, as orelhas para ouvir uma palavra reveladora; afastar com uma mão discreta o veneno que se esconde num livro, numa amizade perigosa; velar, em suma, com uma solicitude maternal ou sacerdotal, e salvaguardando com a pureza todas as virtudes que formam a graciosa auréola da criança cristã.
         Desta maneira, a razão concorda com a experiência para proclamar que a educação cristã deve presidir aos primeiros anos da vida, se se quer dirigir esta vida para o seu verdadeiro ideal e se se quer obter espíritos verdadeiramente iluminados, caracteres enérgicos, corações generosos, homens de fé e de acção, capazes de todos os grandes ideais, de todas as decisões vigorosas, de todas as dedicações e de todos os sacrifícios pela religião e pela pátria.
         Isto será, espero, a consolação de Monsenhor Bispo de Soissons, nosso tão digno e venerado pontífice, por ter querido, com o contributo devotado de M. o Arcipreste, seu vigário geral, e sem se deter perante nenhum obstáculo, esta casa de S. João, que se esforçará, não ficando atrás de nenhuma outra em relação aos estudos, transmitir de geração em geração a educação cristã e a ciência da salvação.
         Agora, caras crianças, nós vos entregamos aos vossos queridos pais. Ide reencontrar a vida de família, e com ela o repouso e a expansão do coração.
         Os corações das crianças abrem-se muito à sua mãe. Confiai nas vossas mães. Enquanto os vossos corações e os delas estiverem de acordo, não tereis nada a temer.
         Nós vos entregamos com confiança aos cuidados de Deus que vos ama; aos cuidados dos vossos pais que são os vossos anjos visíveis sobre a terra; aos cuidados das vossas consciências que Deus ilumina e fortalece.
         Adeus por algumas semanas! Sede felizes, sede ajuizados, sede prudentes.
         O nosso afecto por vós dita-nos estes últimos conselhos; as vossas boas disposições asseguram-nos que sereis fiéis a tudo isso.







[1] Citado por P. Monfat, Educação, p. 104.
[2] Discursos políticos, 1850.
[3] Pe. Félix, Conferência sobre a educação.

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