segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Hoje já não faço anos, duro


Em dia de aniversário natalício agradeço a Deus que me deu a graça de terminar mais uma volta completa ao sol. Que eu nunca me canse de dar cada dia uma volta em mim mesmo, e este ano foram 366 vezes. Agradeço também a quem quis festejar comigo esta data.

Partilho 3 poemas:

 

1º - o salmo 138 (139) que pode ser considerado o mais apropriado para o dia de aniversário. É o que a Igreja sugere para o dia ao nascimento de São João Baptista.

 

Refrão: Eu Vos dou graças, Senhor,

porque maravilhosamente me criastes.

 

Senhor, Vós conheceis o íntimo do meu ser:

sabeis quando me sento e quando me levanto.

De longe penetrais o meu pensamento:

Vós me vedes quando caminho e quando descanso,

Vós observais todos os meus passos.

 

Vós formastes as entranhas do meu corpo

e me criastes no seio de minha mãe.

Eu Vos dou graças

por me terdes feito tão maravilhosamente:

admiráveis são as vossas obras.

 

Vós conhecíeis já a minha alma

e nada do meu ser Vos era oculto,

quando secretamente era formado,

modelado nas profundidades da terra.

 

2º - o salmo 89 (90) que pode ser considerado o mais apropriado para a velhice ou a terceira idade.

 

Senhor, tendes sido o nosso refúgio, *

de geração em geração.

Antes de se formarem as montanhas †

e nascer a terra e o mundo, *

desde toda a eternidade Vós sois Deus.

 

Vós reduzis o homem ao pó da terra *

e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».

Mil anos a vossos olhos *

são como o dia de ontem que passou †

e como uma vigília da noite.

 

Vós os arrebatais como um sonho, *

como a erva que de manhã reverdece,

de manhã floresce e viceja, *

à tarde é cortada e seca.

 

Sentimo-nos desfalecer com a vossa ira, *

estamos aterrados com a vossa indignação.

Colocastes as nossas culpas na vossa presença, *

o nosso íntimo à luz da vossa face.

 

Todos os nossos dias decorreram sob a vossa ira, *

acabámos os nossos anos como um suspiro.

Os dias da nossa vida andam pelos setenta anos *

e, se robustos, por uns oitenta:

a maior parte são trabalho e desilusão, *

passam depressa e nós partimos.

Quem avalia a força da vossa ira *

e mede o temor da vossa indignação?

 

Ensinai-nos a contar os nossos dias, *

para chegarmos à sabedoria do coração.

Voltai, Senhor! Até quando?... *

Tende piedade dos vossos servos.

 

Saciai-nos, desde a manhã, com a vossa bondade, *

para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.

Compensai em alegria os dias de aflição, *

os anos em que sentimos a desgraça.

 

Manifestai a vossa obra aos vossos servos *

e aos seus filhos a vossa majestade.

Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus! *

Confirmai em nosso favor a obra das nossas mãos, †

confirmai a obra das nossas mãos.

 

Reflexão – O versículo 12: Ensina-nos a contar os nossos dias...  Tradicionalmente este texto é usado em festividades de aniversário – e não está errado, mas prefiro rezá-lo na velhice – mas aqui quero me dá a liberdade de trabalhar com o significado do termo usado na nossa tradução, atribuindo-lhe significados:

CONTAR pode significa numerar.  O salmo instrui a numerar os nossos dias, saber quantos são para que tenhamos consciência da nossa finitude e fragilidade.  Numerar os dias também aponta para a urgência da nossa vida, o tempo está passando e com ele a nossa existência aqui.  É mais um dia ou menos um dia. Por isso, contando o passar do tempo vamos tomando também consciência de que nos resta pouco tempo e por isso devemos aproveitá-lo da melhor maneira possível – creio que este é o sentido mais preciso do que o salmista tinha em mente.

Consideramos ainda que esta numeração dos dias deve fazer comparar a finitude humana com a eternidade divina.  Vejamos que enquanto um dia para o Senhor é como mil anos. A nossa vida passa depressa e nós voamos (no mesmo Salmo 90, nos versos quatro e dez respetivamente).

Mas CONTAR também, em língua portuguesa, pode induzir a pensar em narrar.  Assim o conselho do salmista seria no sentido de que devemos aprender a narrar a nossa vida e todas as experiências que temos na vivência com Deus.  Este é o único meio de conhecê-lo!  Por isso precisamos desta vivência para que a vida em Cristo faça sentido.  Narrando a vida com Deus reafirmamos a nossa fé e a certeza da companhia e do cumprimento das promessas feitas em Cristo Jesus.

 

3º - um poema de Fernando Pessoa, que pode ser o meio de unir as duas realidades


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

 

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

 

Para, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

 

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

 

(CF. 15-10-1929, Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). 1ª publ. in Presença, nº 27. Coimbra: Jun.-Jul. 1930)

 

Ver também:

Uma graça de Deus

 

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