terça-feira, 11 de dezembro de 2018

À procura da ovelha perdida


3ª feira – II semana do advento

Versão universitária da parábola da Ovelha Perdida

Um dia, estava eu de pé na porta da sala, esperando que os meus alunos entrassem para o nosso 1º dia de aula. Foi aí que vi o Tom, pela primeira vez. Não consegui evitar que meus olhos piscassem de espanto. Ele tinha cabelos longos e muito louros que batiam uns 20 cm abaixo dos ombros. Eu nunca vira um rapaz com cabelos tão longos.
Acho que a moda estava apenas a começar nessa época. O que importa não é o que está fora, mas o que vai por dentro da cabeça, pensei, mas confesso que fiquei chocado. Logo classifiquei o Tom com um ‘E’ de ‘estranho’, muito estranho! E ele acabou se revelando como o ‘ateu da turma’ no meu curso de Teologia. Constantemente fazia objeções e questionava a possibilidade de existência de um Deus-Pai que nos amasse incondicionalmente. Convivemos em relativa paz durante o semestre, embora admito que às vezes ele era bastante incómodo.
No fim do curso, ele aproximou-se e perguntou-me, num tom ligeiramente irónico: 
- O senhor acredita mesmo que eu possa encontrar Deus algum dia?
Resolvi usar uma terapia de choque: 
- Não, eu não acredito!- respondi.
- Ah! – Respondeu – pensei que era este o produto que o senhor esteve tentando vender-nos nestes últimos meses.
Deixei que ele se afastasse um pouco e disse bem alto: 
- Eu não acredito que tu consigas encontrar Deus, mas tenho a certeza absoluta de que Ele te encontrará um dia
Ele encolheu os ombros e foi embora da minha sala e da minha vida. Algum tempo depois soube que se tinha formado e, em seguida, recebi uma notícia triste: ele estava com um cancro terminal. E antes que eu fosse à sua procura, ele veio ver-me. Quando entrou na minha sala, percebi que o seu corpo tinha sido devastado pela doença e que os cabelos longos já não existiam mais por causa da quimioterapia. Entretanto, os seus olhos estavam brilhantes e a sua voz era firme, bem diferente daquele jovem que conheci.
- Tom, tenho pensado em ti. Soube que estás doente!- disse-lhe.
- Ah, é verdade, estou seriamente doente. Tenho cancro nos pulmões. É uma questão de semanas, agora. 
- Queres falar comigo sobre isso? 
- Claro, o que é que o senhor gostaria de saber?
Como é ter vinte e quatro anos e saber que se está morrendo?
- Acho que poderia ser pior.
- Como assim?
- Bem, eu poderia ter cinquenta anos e não ter noção de valores ou ideais, ou ter sessenta anos e pensar que bebida, mulheres e dinheiro são as coisas mais ‘importantes’ da vida...
Lembrei-me da classificação que lhe atribuí: ‘E’ de ‘estranho’. Penso que quem recebeu classificações desse tipo, é enviado de volta por Deus, para que eu possa refazer o meu preconceito... 
- Mas a razão pela qual eu realmente vim vê-lo  foi a frase que o senhor me disse no último dia de aula. (Ele se lembrava!...) – E o Tom continuou: Eu perguntei-lhe se o senhor acreditava que eu encontraria Deus algum dia e respondeu-me 'Não!', o que me surpreendeu. Em seguida, o senhor disse, ‘mas Ele te encontrará’. Eu pensei um bocado a respeito daquela frase, embora na época não estivesse muito interessado no assunto. Mas quando os médicos removeram um nódulo da minha virilha e me disseram que se tratava de um tumor maligno, comecei a pensar com mais seriedade sobre a ideia de procurar Deus. E quando a doença se espalhou por outros órgãos, comecei realmente a dar murros desesperados nas portas de bronze do paraíso. Mas Deus não apareceu. De facto, nada aconteceu. O senhor já tentou fazer alguma coisa por um longo período, sem sucesso? Eu fiquei cansado e desanimado. 
Um dia, ao invés de continuar atirando apelos por cima do muro alto atrás de onde Deus poderia estar ou não, eu desisti, simplesmente. Decidi que de facto não me estava importando com Deus, com uma possível vida eterna ou qualquer coisa parecida. E decidi utilizar o tempo que me restava fazendo alguma coisa mais proveitosa. Pensei no senhor e nas suas aulas e lembrei-me de uma coisa que o senhor tinha dito noutra ocasião: A tristeza mais profunda é passar pela vida sem amar ou sem nunca ter dito às pessoas queridas o quanto as amou.
Então resolvi começar pela pessoa mais difícil: o meu pai. Ele estava a ler o jornal quando me aproximei dele: 
Pai... – disse eu.
Sim, o que é? – perguntou, sem baixar o jornal
Pai, eu gostaria de conversar consigo.
Então fala.
É um assunto muito importante! 
O jornal desceu alguns centímetros, vagarosamente.
- O que é?
Pai, eu amo-o muitoSó queria que soubesse disso.
O jornal escorregou para o chão e meu pai fez duas coisas que eu jamais tinha visto: Ele começou a chorar e abraçou-me com força. E conversamos durante toda a noite, embora ele tivesse que ir trabalhar na manhã seguinte. 
- Foi tão bom poder sentar-me junto do meu pai, conversar, ver as suas lágrimas, sentir o seu abraço, ouvi-lo dizer que também me amava! Foi uma emoção indescritível! Foi mais fácil com a minha mãe e com o meu irmão mais novo. Eles choraram também e nós nos abraçamos e falamos de coisas realmente boas uns para os outros. Falamos sobre as coisas que tínhamos mantido em segredo por tantos anos, e que era tão bom partilhar. Só lamentei uma coisa: que eu tivesse desperdiçado tanto tempo, privando-me de momentos tão especiais. 
Naquela hora eu estava apenas começando a me abrir com as pessoas que amava. Então, um dia, eu olhei, e lá estava ELE. Ele não veio ao meu encontro quando Lhe implorei. Acredito que estava agindo como um domador de animais que, segurando um chicote, diz: ‘Vamos, pule! Eu lhe dou três dias... três semanas...’. Parece que Deus não se deixa impressionar. Ele age a Seu modo e a seu tempo. Mas o que importa é que Ele estava lá. Ele me encontrou... O senhor estava certo. Ele me encontrou mesmo depois de eu ter desistido de procurar por Ele. 
- Tom – disse-lhe comovido, o que estás a dizer é muito mais importante do que podes imaginar. Para mim, pelo menos, estás dizendo que a maneira certa de encontrar Deus, não é fazendo dEle um bem pessoal, uma solução para os nossos problemas ou um consolo em tempos difíceis, mas sim se tornando disponível para o verdadeiro Amor. O apóstolo João disse isto: ‘Deus é Amor e aquele que vive no Amor, vive com Deus e Deus vive com Ele’. Posso pedir-te um favor? Tu sabes que me deste bastante trabalho quando foste meu aluno (risos). Mas agora podes compensar-me por isso. Podes vir à minha aula de Teologia e contar aos meus alunos o que acabaste de me contar? Se eu lhes contasse não seria a mesma coisa, não tocaria tão fundo neles! 
- Oooh!... eu preparei-me para vir vê-lo, mas não sei se estou preparado para enfrentar os seus alunos.
- Então, pense nisto. Se te sentires preparado, telefona-me…
Alguns dias mais tarde, Tom telefonou e disse que falaria à minha turma. Ele queria fazer aquilo por Deus e por mim. Então marcámos uma data... O dia chegou, mas ele não pôde vir. Tom tinha outro encontro, muito mais importante do que aquele. E lá se foi... Antes de morrer, ainda conversamos uma vez:
- Não vou ter condições de falar com a sua turma.
- Eu sei, Tom. 
- O senhor falaria com eles por mim? O senhor falaria... com todo o mundo por mim? 
- Vou falar, Tom. Vou falar com todo o mundo. Vou fazer o melhor que puder.
Portanto, a todos os que leram esta declaração de amor tão sincera, obrigado por fazerem-no. E a ti, Tom, onde quer que estejas, podes crer: eu falei de ti a todo mundo, do melhor modo que consegui. E espero que as pessoas que tiveram conhecimento desta história, possam contá-la aos seus amigos, para que mais gente possa conhecê-la...

Uma pergunta: Tu também conheces algum jovem como o TOM?

(Cf. John Joseph Powel, SJ, 1925-2009, Professor de Teologia e Psicologia na Universidade de Loyola, USA)

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