terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Os dois soldados


Uma Ave-Maria rezada há 100 anos
ou
Morrer em paz em tempo de guerra

Foi na guerra de 1914-1918. Um soldado francês narra o seguinte facto:
“Nunca me esquecerei de um episódio, que eu mesmo presenciei. Atacamos à tarde; depois de algumas oscilações, penetramos na trincheira inimiga, onde jaziam cadáveres horrendamente massacrados pelos canhões.
No momento do novo ataque, uma metralhadora inimiga camuflada abateu alguns dos nossos; eu fui um deles. Passados os primeiros instantes de terrível impressão pelo ferimento recebido, olhei em redor. Dois soldados jaziam por terra agonizantes: um alemão, bávaro, louro e muito moço, com o ventre dilacerado, e ao lado dele um francês, igualmente jovem. Ambos manifestavam já a palidez da morte; a minha maior dor era de não poder mover-me para socorrer ou ao menos suavizar a morte do meu camarada.
Foi quando o francês, com supremo esforço, procurou com a mão alguma coisa que estava sobre o peito, debaixo do capote. E tirou um pequeno crucifixo que levou aos lábios; depois, com voz fraca, mas ainda clara, rezou: Ave Maria, cheia de graça…
Vi então outra coisa. O alemão, que até aquele momento não dera sinal de vida, abriu os olhos azuis e meio apagados, virou a cabeça para o francês e respondeu: Santa Maria, Mãe de Deus rogai…
O francês, um pouco surpreendido, olhou para o seu vizinho; os seus olhares encontraram-se; o francês apresentou o crucifixo ao bávaro, que o beijou; apertaram-se as mãos num frémito de amor a Deus e à pátria; os seus olhos fecharam-se, e o espírito desprendeu-se do corpo, enquanto o sol os iluminava através de púrpuras nuvens…
Ámen, disse eu, e fiz o sinal da cruz…”


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