3ª
feira – XI semana comum
Dos
sermões do Pe. António Vieira:
Qual
destes dois preceitos é mais dificultoso:
Aborrecer um homem a quem o ama,
ou
amar a quem o aborrece?
Responder com o ódio ao amor,
ou com amor ao ódio?
Primeiramente
parece que é mais dificultoso amar a quem me aborrece, do que aborrecer a quem
me ama. O agravo com que me ofende o inimigo, é dor no coração próprio; a
correspondência com que falto ao amigo, é dor no coração alheio; e no remédio
das dores sempre se acode primeiro à que mais lastima, e sempre é mais
sensitiva a que está mais perto. Logo mais natural no homem o ódio ao inimigo,
que o amor ao amigo; porque no ódio ao inimigo acode-se à dor própria com a
vingança; no amor ao amigo acode-se à dor alheia com a correspondência. Quando
amamos a quem nos ama, governa-se a vontade pela razão; quando aborrecemos a
quem nos aborrece, move-se o apetite pela ira; e os ímpetos da ira sempre são
mais fortes que os impulsos da razão: sempre obram mais eficazmente os
ofendidos, que os obrigados; porque a ofensa corre por conta da honra; a
obrigação por conta do agradecimento: e o mais sofrível é o nome de
desagradecido, que a nota de afrontado. Quando amo a quem me ama, pago o que
devo; quando me vingo de quem me ofendeu, pagam-me o que me devem; e quem há que
não seja mais inclinado a receber a satisfação que a pagar a dívida? Mais
dificultoso é logo deixar de aborrecer a quem nos aborrece, que deixar de amar
a quem nos ama.
Por
outra parte parece que é mais dificultoso aborrecer a quem nos ama, que amar a quem
nos aborrece. Amar a quem me aborrece, é ser humano com quem o não é comigo:
aborrecer a quem me ama, é ser cruel com quem mo não merece: o ser humano é ser
homem; o ser cruel é ser fera: logo aborrecer a quem nos ama. Tanto mais
dificultoso é, quanto mais repugnante à natureza…
Na
virtude da caridade cristã, tomada em toda a largueza de sua perfeição, há três
graus:
- amar os amigos como a amigos;
- amar os inimigos como inimigos;
- amar os inimigos como a amigos.
Este
é o grau altíssimo de caridade, que nos deixou por último exemplo de sua vida.
Não amou os inimigos como inimigos, amou os inimigos como a amigos. Que a maior
caridade é dar a vida pelos amigos. A inteligência desta proposição de Cristo
tem grande dificuldade. Porque primeiramente os santos todos concordam em que o
amor dos inimigos é o mais alto, o mais sublime, o mais heroico, o mais divino
ato de caridade.
- O
primeiro e menor ato de caridade é amar os amigos, como amigos.
- O
segundo e mais alto, é amar os inimigos como inimigos.
- O
terceiro e altíssimo é amar os inimigos como amigos, e este ato é a caridade, e
estes são os amigos de que Cristo falava: dar a vida pelos seus amigos.
Na
vida ensinou a amar os inimigos, na morte ensinou a amar os inimigos como
amigos.
Ama o teu inimigo para que ele também te ame, porque não há modo, nem
meio, nem diligência, nem feitiço mais eficaz para ser amado, que amar.
Ama a teu inimigo porque amando a ele, me ames a mim, e se ele te não
merece que o ames, mereço-te eu que me ames nele.
Ama a teu inimigo, porque se ele te ofende com o seu ódio, mais te
ofendes tu com o teu: o teu te mete no inferno, e o seu não.
Ama o teu inimigo porque amigos já os não há, e se não o amares os
inimigos, estará ociosa a tua vontade, que é a mais nobre potência, e privarás
o teu coração do exercício mais natural, mais doce e mais suave que é o amor.
Ama o teu inimigo porque o não ajudes contra ti, e tenhas dois inimigos,
um que te queira mal e outro que te faça o maior de todos.
Ama a teu inimigo porque se ele o faz com razão, deves emendar-te, e se
contra razão, emendá-lo.
Ama a teu inimigo porque se o seu ódio vil é filho da inveja, mostre o
teu amor generoso que por isso não digno de vingança, senão de compaixão.
Ama a teu inimigo porque ou ele é executor da divina Justiça para
castigar a tua soberba, ou ministro da sua Providência, para exercitar a tua
paciência e coroar a tua constância.
Ama a teu inimigo porque Deus perdoa a quem perdoa, e mais nos perdoa
ele na menor ofensa, do que nós ao ódio de todo o mundo nos maiores agravos.
Ama a teu inimigo porque as setas do seu ódio se as recebes com outro
ódio são de ferro, e se lhe respondes com amor, são de ouro.
Ama a tu inimigo porque melhor é a paz que a guerra, e nesta guerra a
vitória é fraqueza e o ficar vencido triunfo.
Ama a teu inimigo porque ele em te querer mal imita o demónio e tu em
lhe querer bem pareces-te com Deus.
Ama a teu inimigo porque esse mesmo inimigo se bem o consideras, é mais
verdadeiro amigo teu, que os teus amigos, ele estranha e condena os teus
defeitos, e eles os adulam, e lisonjeiam.
Ama a teu inimigo porque se o não queres amar porque é inimigo, deve-lo
amar, porque é homem.
Ama a teu inimigo porque se ele te parece mal, amando-o tu, não serás
como ele.
Ama a teu inimigo porque as maiores inimizades cura-as o tempo, e
melhor é que seja o médico a razão que o esquecimento.
Ama a teu inimigo porque os mais empenhados inimigos dão-se as mãos, se
o manda o rei, porque se não fará porque o manda Deus?
Finalmente
sem subir tão alto, ama a teu inimigo
porque ou ele é mais poderoso que tu, ou menos: se é menos poderoso perdoa-lhe
a ele, se é mais poderoso perdoa-te a ti.
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