3ª feira - III semana da quaresma
Assim
pregava Albert Schweitzer
Muitas
vezes o valor de um ensinamento se perde porque aquele que o transmite não tem
a delicadeza e a humildade de adaptar as suas palavras ao modo de entender
daquele que ouve. A respeito disto, o
grande teólogo, pastor luterano, filósofo e médico Albert Schweitzer, que viveu
como missionário em África, deixou-nos uma bela lição:
“Prego todos os domingos pela manhã na minha missão de Lambaréné, no Gabão, África. A maioria da minha comunidade nada sabe sobre o cristianismo. São trabalhadores em trânsito, vindos de pontos distantes do interior. Dentro em pouco, voltarão para a sua terra onde comprarão uma esposa e se casarão. Pouco a pouco os meus doentes e os seus acompanhantes aparecem, sentando-se entre os alojamentos e a encosta da montanha, à sombra dos telhados. Toco num pequeno órgão portátil. A assembleia não pode cantar em conjunto, pois é formada de indígenas que falam seis dialetos diferentes. Não exijo que fiquem sentados e em silêncio. Acendem o fogo para preparar comida, dão banho aos filhos mais novos, penteiam, consertam as suas redes de pesca. Dois intérpretes traduzem o que digo. Os meus sermões têm de ser muito simples. Os que me escutam nunca ouviram falar de Adão e Eva, dos Patriarcas, dos Profetas, dos Evangelistas, de Jesus. Mas quando falo da diferença entre o coração inquieto e o coração em paz, até os mais selvagens entre eles sabem o que estou querendo dizer. E quando apresento Jesus como aquele que traz a paz com Deus, eles compreendem. Se da minha prédica eles podem levar consigo alguma coisa do Evangelho do Cristo, plantei uma semente. Tenho de falar de maneira concreta para ser compreendido.
Setenta
vezes sete
Por
exemplo, a pergunta de São Pedro a Jesus sobre se basta perdoar sete vezes não
pode ser deixada assim, como uma generalidade.
Tenho de esclarecer o conceito com exemplos tirados da vida deles. Disse-lhes recentemente o seguinte: Aparece
alguém que se sabe que não presta. Essa
pessoa insulta-te, mas Jesus diz que se deve perdoar, e tu ficas calado. Mais
tarde, a cabra do vizinho come as bananas do teu almoço. Em vez de puxar discussão, tu dizes apenas
que a culpa é da cabra e que, portanto, é justo que ele te dê outras
bananas. Se ele não concordar, tu sais
em silêncio, pensando que Deus faz as bananas crescerem com tal abundância no teu
sítio, que não tens necessidade alguma de brigar por tão poucas. Depois disso,
um homem que levou os teus quatro cachos de bananas para vender na feira juntamente
com os dele, só te dá o dinheiro correspondente a três cachos, dizendo que foi
só isso o que tu lhe entregaste. Tu tens
vontade de dizer-lhe na cara que ele é um mentiroso. Mas pensas que há muitas mentiras de que só tu
sabes e que Deus tem de perdoar, e voltas para a tua cabana sem nada dizer. Quando
vais acender o fogo, percebes que alguém levou parte da lenha que foste buscar
ontem no mato. Mais uma vez forças o
coração a perdoar e deixas de procurar o ladrão para entregá-lo ao chefe. À
tarde, vais sair para trabalhar na roça, quando descobres que alguém levou a tua
boa faca de mato, deixando em seu lugar uma velha faca cheia de dentes que
reconheces a quem pertence. Pensas então
que já perdoastes quatro vezes e podes perdoar a quinta. Embora fosse um dia em que muitas coisas
desagradáveis aconteceram, sentes-te feliz, como se o dia tivesse sido dos mais
calmos. Por quê? Porque o teu coração
está alegre, tendo obedecido à vontade de Jesus. À noite, queres ir
pescar. Não encontras o seu facho. Ficas furioso e chegas à conclusão de que já
perdoastes demais nesse dia. Mas de novo
Jesus, o Senhor, domina o teu coração. Pedes
um facho emprestado e desces para o rio. Chegando lá, não encontras a tua
canoa. Alguém foi pescar com ela. Então escondes-te, furioso, atrás de uma
árvore, com a ideia de tomar todo o peixe do intruso quando ele voltar e depois
entregá-lo ao comandante do distrito.
Mas, enquanto esperas, o teu coração começa a falar. Repete muitas vezes o que Jesus disse: Deus
não pode perdoar os nossos pecados, se não perdoarmos aos nossos
semelhantes. Quando o homem voltam afinal, sais detrás da árvore diz-lhe que Jesus forçou-te a deixá-lo ir em
paz. Não exiges nem o peixe, mas
acredito que ele te dê, espantado com o facto de não quereres brigar. Depois vais
para casa, feliz e orgulhoso de ter conseguido perdoar sete vezes. Mas se nesse mesmo dia Jesus chegasse à tua
aldeia e tu passasses diante dele, pensando que ele iria elogiar-te, Jesus te
diria apenas, como disse a São Pedro, que não basta perdoar sete vezes, que é
preciso perdoar mais sete vezes e mais sete e muitas mais, até que Deus possa
perdoar os teus muitos pecados.
Vejo
pelos rostos dos que me ouvem como estão comovidos. Muitas vezes pergunto-lhes se o coração deles
está de acordo com o que foi dito.
Respondem que sim, quase sempre.
No
fim do sermão, peço para juntarem as mãos e muito lentamente faço uma breve
oração. Muito tempo depois do “Amém”, as
cabeças ainda estão curvadas sobre as mãos.
Quando a suave música recomeça, as cabeças se erguem. Ficam imóveis até que os últimos acordes se
dissipam. Quando me retiro, o meu povo
se levanta. Retira-se com a Palavra de
Deus bem viva dentro de si.”
À
margem:
Alberto
Schweitzer era primo de Jean-Paul Sarte (o pai de Albert era irmão da mãe de
Sartre). Sobre as obras do primo, Albert diria mais tarde, segundo Cohen-Solal
(biógrafa de J.P. Sartre), que "todas as opiniões são respeitáveis quando
são sinceras, e por conta disso Deus seguramente o perdoará".
Quem
foi Albert Schweitzer
Albert
Schweitzer nasceu em Kaysersberg a 14 de janeiro de 1875 e morreu em Lambaréné,
Gabão, a 4 de setembro de 1965.
Formou-se
em teologia e filosofia na Universidade de Estrasburgo, onde, em 1901, o
nomearam docente. Em 1900 foi ordenado ministro luterano e serviu na paróquia
de São Nicolau em Estrasburgo até 1911, onde também tocava órgão. Tornou-se um
dos melhores intérpretes de Bach e uma autoridade na construção de órgãos.
Aos
trinta anos, gozava de uma posição invejável: trabalhava numa das mais notáveis
universidades europeias; tinha uma grande reputação como músico e prestígio
como pastor da sua Igreja. Porém, isto não era suficiente para uma alma sempre
pronta ao serviço. Dirigiu a sua atenção para os africanos das colónias
francesas que, numa total orfandade de cuidados e assistência médica,
debatiam-se na dura vida da selva.
Em
1905 iniciou o curso de medicina, e seis anos mais tarde, já formado, casou-se
e decidiu partir para Lambaréné, no Gabão, onde uma missão necessitava de
médicos. Ao deparar-se com a falta de recursos iniciais, improvisou um
consultório num antigo galinheiro e atendeu os seus pacientes enfrentando
obstáculos como o clima hostil, a falta de higiene, o idioma que não entendia,
a carência de remédios e de equipamentos. Tratava de mais de 40 doentes por dia
e paralelamente ao serviço médico, ensinava o Evangelho com uma linguagem
apropriada, dando exemplos tirados da natureza sobre a necessidade de agirem em
benefício do próximo.
Com
o início da Primeira Grande Guerra os Schweitzers foram levados para a França,
como prisioneiros de guerra. Passaram praticamente todo o período da guerra
confinados num campo de concentração.
Com
o final da guerra, retomou seus trabalhos.
Realizou uma série de conferências, com o único intuito de colher fundos para
reconstruir a sua obra na África. Tornou-se muito conhecido em todos os círculos
intelectuais do continente, porém, a fama não o afastou dos seus projetos e
sonhos.
Após
sete anos de permanência na Europa, partiu novamente para Lambaréné. Dessa vez
acompanhado de médicos e enfermeiros dispostos a ajudá-lo. O hospital foi erguido
numa área mais propícia, e com o auxílio de uma equipa de profissionais,
Schweitzer pôde dedicar algumas horas do seu dia a escrever livros, cuja renda
contribuía para manter os pavilhões hospitalares.
Foi
laureado em 1952 com o Prémio Nobel da Paz, como humilde homenagem a um “grande
homem”.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Schweitzer,
22:07, 04/03/2023)
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