No centenário do seu nascimento, algumas memórias que o Pe. Gastão Canova escreveu sobre a origem da sua vocação:
a)
Vou ser semeador
Tinha
eu uns dez anos e frequentava a Escola Comercial Zanotti. Da escola até à minha
casa havia um bom pedaço de estrada e, o que mais interessa, umas tantas
igrejas, todas elas grandes e bonitas. Costumava eu depois das aulas, na parte
da tarde, entrar numa ou noutra. Lá, com a igreja vazia, pensava nas minhas
coisas.
Naquela
tarde entrei, por acaso, na igreja de S. Salvatore; mas, não sei como, estava
cheia de gente e havia um pregador famoso a falar do Semeador.
“Saiu
o Semeador… Uma semente caiu… outra deu cem por um…”
Saí
com a minha sacola dos livros, tomei um caminho mais longo para chegar a casa e
fui pensando: é necessário muita semente… e também muitos semeadores… muita
semente ficará perdida… mas alguma dará cem por um… O importante é que se
semeie. Vou ser semeador.
Estava
decidido.
b)
Vou ser dehoniano
Estava
decidido. Queria ser Padre e dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus
(Dehonianos). Diziam-me: “Podes ser Padre diocesano…” ou “Os Conventuais
aceitam-te…”
Não
queria. E teimei.
Ao
início, não me quiseram. Esperei dois longos anos. Enquanto, estudei fora.
Depois aceitaram-me, mas sempre repetindo a cantiga: “és filho único…” até ao
noviciado… até à profissão perpétua. Fui teimoso. Porém não sabia que a Providência
me teria pedido muto mais do que eu imaginava.
Não
foi coincidência, mas Previdência esta ligação ao Pe. Dehon:
Era
eu criança (seis ou sete anos) quando comecei a frequentar, como menino do
coro, a nossa igrejinha da Via Nosadella (Bolonha). Nas dependências desta
pequena igreja, o nosso Padre Fundador tinha obtido do Cardeal Della Chiesa
(futuro Papa Bento XV) a possibilidade de iniciar o que viria a ser o
“Studentato delle Missioni” para os estudos de Teologia dos alunos da Província
Italiana SCJ.
c)
Vou ser missionário
Eu
queria ser dehoniano para ser missionário como o meu conterrâneo Pe. Albani.
Fazia
parte dum dos primeiros grupos dos alunos deste Studentato de Bolonha um certo
Albani de quem toda a Via Nosadella falava. Virá a ser o primeiro sacerdote
missionário da Província; mas terá que ser, como outros, agregado a missões de
outras Províncias. Ele irá para os Camarões, território da Província Francesa.
O
Pe. Albani era conhecido e admirado pela rua inteira, quer pelo seu feitio
próprio, quer pelo facto de ser missionário. Era o missionário enviado pela Rua
Nosadella.
O
Pe. Albani tinha um feitio todo especial. Em criança, traquina como era, foi
muitas vezes ameaçado de expulsão do nosso seminário de Albino. E um dia os
superiores tomaram as coisas a sério e executaram as ameaças. Encarregaram um
tal Sr. Carrara, devotado empregado do seminário, de acompanhar o rapaz, bem
agarradinho pela mão, na viagem de comboio e de o entregar em casa da família.
O
pequeno Albani, muito dócil, deixou-se levar até à estação mas, quando estava
para subir para o comboio, reparou que tinha os atacadores desapertados. Deixa
subir o bom Carrara e, muito lentamente, com o pé apoiado no estribo, vai
ligando e desligando os atacadores que parecem mesmo não quererem deixar-se
amarrar. O comboio apita para a partida, o pequeno tira o pé o estribo, fecha
bem a porta pelo lado de fora, deixa o comboio arrancar, cumprimenta o Carrara
que, sem saber o que fazer, segue o seu destino. Ele, o traquinas, desata a
correr até à sua amada Escola Apostólica de Albino. Teremos um missionário
mais.
Eu
queria ser Padre como ele.
E
teimei como só o Pe. Albani sabia mais.
d)
Vou para a Madeira
Durante
os meus estudos participei, com todo o entusiasmo, nas esperanças da Província
Italiana ter uma missão própria.
Estava
eu no quinto ano de seminário e a Itália tinha, há pouco, conquistado a
Abissínia (Etiópia). Havia a esperança de termos uma missão naquelas terras.
Um
dia, chamou-me o Pe. Torresani, nosso prefeito de disciplina. Enquanto
caminhava para o quarto do Padre ia pensando: Basta que não me fale de filho
único… pode virar o disco. Já sei a cantiga de cor
Entro
e o padre pergunta-me:
-
Tens alguma coisa para dizer?
-
Eu, nada.
-
Nem eu.
Fico
à espera e, entretanto, olho para todos aqueles mapas que o padre tinha por
cima da mesa.
-
A nossa Missão parece ser esta aqui do Dossiè…
E
assim iniciámos uma boa hora de conversa acerca da provável Missão da
Abissínia, tirando medidas, fazendo cálculos, imaginando igrejas cheias de
cristãos… Sonhos!
Dias
depois, soubemos que a missão teria sido confiada a outros, porque nós éramos
de origem francesa.
Outra
ilusão foi em 1940.
Tinham-nos
oferecido uma missão na Índia (Renché).
Muitos
sonhavam como crianças.
Afinal
tudo se concluiu numa desilusão… éramos italianos.
Estava
eu no fim da Teologia quando o Padre Provincial me chamou:
-
Estás destinado à Argentina.
Fui,
cheio de alegria, tratar do passaporte.
Mas
havia um obstáculo. O tal obstáculo de sempre!
-
Não podes ir: És filho único.
Fiquei
triste, mas tive que aceitar.
Sabia
lá eu das brincadeiras da Providência.
Um
dia, pelas quatro horas da tarde, estava a trabalhar como Secretário do
Provincial.
-
Sabes – diz ele – pensei que tu fazias um jeitão lá Madeira, na Escola de Artes
e Ofícios… sabes de eletricidade.
E
assim fui parar à Madeira.
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