terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Vocação do Pe. Canova



No centenário do seu nascimento, algumas memórias que o Pe. Gastão Canova escreveu sobre a origem da sua vocação:


a) Vou ser semeador

Tinha eu uns dez anos e frequentava a Escola Comercial Zanotti. Da escola até à minha casa havia um bom pedaço de estrada e, o que mais interessa, umas tantas igrejas, todas elas grandes e bonitas. Costumava eu depois das aulas, na parte da tarde, entrar numa ou noutra. Lá, com a igreja vazia, pensava nas minhas coisas.

Naquela tarde entrei, por acaso, na igreja de S. Salvatore; mas, não sei como, estava cheia de gente e havia um pregador famoso a falar do Semeador.

“Saiu o Semeador… Uma semente caiu… outra deu cem por um…”

Saí com a minha sacola dos livros, tomei um caminho mais longo para chegar a casa e fui pensando: é necessário muita semente… e também muitos semeadores… muita semente ficará perdida… mas alguma dará cem por um… O importante é que se semeie. Vou ser semeador.

Estava decidido.

 

b) Vou ser dehoniano

Estava decidido. Queria ser Padre e dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos). Diziam-me: “Podes ser Padre diocesano…” ou “Os Conventuais aceitam-te…”

Não queria. E teimei.

Ao início, não me quiseram. Esperei dois longos anos. Enquanto, estudei fora. Depois aceitaram-me, mas sempre repetindo a cantiga: “és filho único…” até ao noviciado… até à profissão perpétua. Fui teimoso. Porém não sabia que a Providência me teria pedido muto mais do que eu imaginava.

Não foi coincidência, mas Previdência esta ligação ao Pe. Dehon:

Era eu criança (seis ou sete anos) quando comecei a frequentar, como menino do coro, a nossa igrejinha da Via Nosadella (Bolonha). Nas dependências desta pequena igreja, o nosso Padre Fundador tinha obtido do Cardeal Della Chiesa (futuro Papa Bento XV) a possibilidade de iniciar o que viria a ser o “Studentato delle Missioni” para os estudos de Teologia dos alunos da Província Italiana SCJ.

 

c) Vou ser missionário

Eu queria ser dehoniano para ser missionário como o meu conterrâneo Pe. Albani.

Fazia parte dum dos primeiros grupos dos alunos deste Studentato de Bolonha um certo Albani de quem toda a Via Nosadella falava. Virá a ser o primeiro sacerdote missionário da Província; mas terá que ser, como outros, agregado a missões de outras Províncias. Ele irá para os Camarões, território da Província Francesa.

O Pe. Albani era conhecido e admirado pela rua inteira, quer pelo seu feitio próprio, quer pelo facto de ser missionário. Era o missionário enviado pela Rua Nosadella.

O Pe. Albani tinha um feitio todo especial. Em criança, traquina como era, foi muitas vezes ameaçado de expulsão do nosso seminário de Albino. E um dia os superiores tomaram as coisas a sério e executaram as ameaças. Encarregaram um tal Sr. Carrara, devotado empregado do seminário, de acompanhar o rapaz, bem agarradinho pela mão, na viagem de comboio e de o entregar em casa da família.

O pequeno Albani, muito dócil, deixou-se levar até à estação mas, quando estava para subir para o comboio, reparou que tinha os atacadores desapertados. Deixa subir o bom Carrara e, muito lentamente, com o pé apoiado no estribo, vai ligando e desligando os atacadores que parecem mesmo não quererem deixar-se amarrar. O comboio apita para a partida, o pequeno tira o pé o estribo, fecha bem a porta pelo lado de fora, deixa o comboio arrancar, cumprimenta o Carrara que, sem saber o que fazer, segue o seu destino. Ele, o traquinas, desata a correr até à sua amada Escola Apostólica de Albino. Teremos um missionário mais.

Eu queria ser Padre como ele.

E teimei como só o Pe. Albani sabia mais.

 

d) Vou para a Madeira

Durante os meus estudos participei, com todo o entusiasmo, nas esperanças da Província Italiana ter uma missão própria.

Estava eu no quinto ano de seminário e a Itália tinha, há pouco, conquistado a Abissínia (Etiópia). Havia a esperança de termos uma missão naquelas terras.

Um dia, chamou-me o Pe. Torresani, nosso prefeito de disciplina. Enquanto caminhava para o quarto do Padre ia pensando: Basta que não me fale de filho único… pode virar o disco. Já sei a cantiga de cor

Entro e o padre pergunta-me:

- Tens alguma coisa para dizer?

- Eu, nada.

- Nem eu.

Fico à espera e, entretanto, olho para todos aqueles mapas que o padre tinha por cima da mesa.

- A nossa Missão parece ser esta aqui do Dossiè…

E assim iniciámos uma boa hora de conversa acerca da provável Missão da Abissínia, tirando medidas, fazendo cálculos, imaginando igrejas cheias de cristãos… Sonhos!

Dias depois, soubemos que a missão teria sido confiada a outros, porque nós éramos de origem francesa.

Outra ilusão foi em 1940.

Tinham-nos oferecido uma missão na Índia (Renché).

Muitos sonhavam como crianças.

Afinal tudo se concluiu numa desilusão… éramos italianos.

Estava eu no fim da Teologia quando o Padre Provincial me chamou:

- Estás destinado à Argentina.

Fui, cheio de alegria, tratar do passaporte.

Mas havia um obstáculo. O tal obstáculo de sempre!

- Não podes ir: És filho único.

Fiquei triste, mas tive que aceitar.

Sabia lá eu das brincadeiras da Providência.

Um dia, pelas quatro horas da tarde, estava a trabalhar como Secretário do Provincial.

- Sabes – diz ele – pensei que tu fazias um jeitão lá Madeira, na Escola de Artes e Ofícios… sabes de eletricidade.

E assim fui parar à Madeira.

 

Ver também:

Recordar para imitar

 

Sem comentários: