terça-feira, 24 de maio de 2016

Deixar e seguir

3ª feira - VII semana comum

Do Evangelho de hoje:
Todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras, por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna.

O que pregava o Pe. António Vieira:
Estas duas cláusulas – deixar e seguir – são os dois pólos da virtude, são o corpo e a alma da santidade, são as duas partes de que se compõe toda a perfeição evangélica.
A primeira, deixar tudo.
A segunda seguir a Cristo.
Há uns, que nem deixam, nem seguem; há outros que deixam, mas não seguem: outros que seguem, nas não deixam; outros que deixam e juntamente seguem.
Não deixar nem seguir é miséria.
Deixar e não seguir é fraqueza.
Seguir e não deixar é desengano.
Deixar e seguir é perfeição.
Em nenhum destes quatro entram os homens do mundo, ainda que sejam cristãos porque nenhum deles professa deixar e seguir. A sua profissão é obedecer aos preceitos mas não seguir os conselhos de Cristo.
Os que somente professam deixar e seguir somos todos os que temos nome de religiosos, E para que cada um conheça em que predicamento destes está, e a qual pertence, se ao da miséria, se ao da fraqueza, se ao do desengano, se ao da perfeição, será bem que declaremos estes nomes e que definamos estas diferenças e que saibamos quem são estes miseráveis, quem são estes fracos, quem são estes desenganados, e quem são estes perfeitos e santos.
Os miseráveis que não deixam nem seguem são os que se metem a religiosos como a qualquer ofício para viver. Fica no mundo um moço sem pai, mal herdado da fortuna, sem valoro para seguir as armas, sem engenho para cursar letras, sem talento nem indústrias para granjear a vida, que faz? Entra na religião menos austera, veste, come, canta, conversa, não o penhoram pela décima, nem o prendem na fonteira… Enfim é um religioso de muito boa vida não porque a faz, mas porque a leva. Este tal nem deixa, nem segue. Não deixa porque não tinha que deixar, não segue porque não veio para seguir, veio viver.
Os fracos que deixam e não seguem, são os que traz à religião o nojo, o desar, a desgraça, e não a vocação. Sucede-lhe a um homem nobre e brioso sair mal de um desafio, fazerem-lhe uma afronta que não pode vingar… enfadado da vida e indignado da fortuna, entra a sua casa a uma irmão segundo mete-se em uma religião de repetente. Mas leva consigo o mundo à religião, porque olha para ele com dor, e não com arrependimento. Este deixa mas não segue, Deixa porque deixou o património e a fazenda, não segue porque mais o trouxe e tem na religião a afronta que recebeu no mundo que o zelo ou desejo de seguir e servir a Cristo.
Os desenganados que seguem mas não deixam, são os mal pagos dos homens, que o verdadeiro desengano traz a Deu. Vistes um soldado veterano, que feitas muitas proezas na guerra, se acha ao cabo da vida carregado de anos, de serviços e de reidas sem prémio: e desenganado de quão ingrato e mau senhor é o mundo, querendo servir a quem melhor lhe pague, e meter algum tempo entre a vida e a morte, troca o colete pelo saial, o tali pelo cordão, e a ola pelo capelo em uma religião penitente, e não tendo outro inimigo mais que a si esmo contra ele peleja, a ele vence, e dele triunfa. Este é o que não deixa mas segue. Não deixa porque não tinha que deixar, mais que os papéis, que queimou, que sempre foram cinza, e segue porque já não conhece oura caixa, nem outra bandeira senão a voz de Cristo e sua cruz.
Finalmente os perfeitos e santos que deixam e juntamente seguem, são os chamados e subidos pela graça divina ao cume mais alto da perfeição evangélica. Tudo o que tinham, muito ou pouco, deixaram, bem como o que podiam ter, e em tudo o que obraram, ensinaram, fizeram, e padeceram, seguiram e imitaram a Cristo.
(Cf. Pe. António Vieira, Sermão S. Pedro Nolasco, Maranhão)

O que pregava São Francisco de Assis:
No eremitério de Sarciano, uma vez um frade perguntou ao outro de
onde vinha, e este respondeu:
- Da cela de Frei Francisco.
O santo ouviu e disse:
- Já que deste à cela o nome de Francisco, tomando posse dela para mim, que ela arranje outro morador, porque eu não vou mais morar lá. O Senhor, quando esteve no deserto em que orou e jejuou por quarenta dias, não mandou fazer uma cela nem uma casa, mas ficou embaixo de uma rocha da
montanha. Nós podemos segui-lo na forma determinada, deixando de ter qualquer propriedade, embora não possamos viver sem casas.
(Da  vida de São Francisco de Assis)

O que prego eu:
Eu não deixei casa nem terra porque nunca as tive.
Nem deixei irmãos e irmãs, nem pai e mãe porque sempre os tive.
Deixei sim filhos, porque nunca os tive e assim deixei a oportunidade de os ter.

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