sexta-feira, 21 de agosto de 2009

As doenças do Pe. Dehon


Tinha eu planeado, com os meus colegas, fazer nestes dias uma visita aos lugares onde nasceu, viveu e trabalhou o Pe. Dehon, fundador da Congregaçãoao à qual pertencemos. Era uma boa oportunidade de assinalar os nossos 25 anos de sacerdócio. Um contratempo veio alterar esse plano. Após uma colisão de viaturas na Auto-estrada fiquei retido no hospital em observação. Os meus colegas partiram nessa viagem e eu fiquei... É que a saúde perde-se a galope, mas regressa a passo...
Em recuperação, no Seminário em Alfragide, faço a minha viagem espiritual contemplando as experiências dehonianas. A primeira etapa é esta:

As Doenças do Pe. Dehon

Se é certo que o Pe. Dehon era um homem grande, nem por isso teve uma grande saúde. O seu carácter inteligente e vivaz escondia uma constituição frágil, devido a várias enfermidades que ao longo da sua vida foram deixando sequelas.

1.
Quando Leão Dehon tinha apenas 4 anos padeceu de febre cerebral (uma espécie de meningite) idênticas àquelas, que alguns anos antes, tinham levado à morte o seu irmão.
“A minha mãe julgou-me que ia perder-me, como tinha perdido o seu primeiro. Daí por diante pegou-se ainda mais a mim. Ficou-me uma certa tendência às dores de cabeça e ao cansaço cerebral.
(NHV, I, 38)

2.
“Tenho a lembrança mais clara de uma leve doença que me veio alguns anos depois, uma urticária. Sofri muito. Eu implorava a ajuda da minha boa mãe que sofria comigo, rezava e me encorajava. Voltaram-me alguns ataques mais tarde, mesmo em Roma e em São Quintino.”
(NHV, I, 38)

3.
Na idade escolar, foi vítima de um acidente a caminho de casa.
“Eu voltava uma tarde do pensionato, com um tempo horrível, no meio de turbilhões de neve. Choquei com um cavalo, fui atirado ao chão, o cavalo avançava sempre, um condiscípulo tirou-me da frente da roda quando estava para ser esmagado. Com certeza devo ter recebido um coice do cavalo na cabeça, porque durante dias tive zumbidos nos ouvidos, e do acidente ficou-me uma leve surdez.”
(NHV, I, 38)

4.
Em 1885, Leão Dehon foi com o seu irmão Henrique, estudar para o Colégio de Hazebrouck e lá ficou 4 anos, revendo a família somente pela Páscoa e nas férias grandes. A vida nesse colégio era austera. “Comia-se sempre pão negro e diversos pratos típicos do campo da Flandres, mas pouco apetitosos para estômagos delicados. O regulamento era viril: levantar cedo, pouco aquecimento, muito trabalho e poucos feriados.”
(NHV, I, 43)

5.
Durante o 2º Ano em Hazebrouck, em 1856, Leão Dehon viveu um período crítico: “dormia sobre uma tábua, impunha ao paladar mortificações, bem duras, disciplinava-me até ao sangue.”
(HNV, I, 57)

6.
Durante a viagem pelo Oriente, de Agosto de 1864 a Junho de 1965, devido a grandes caminhadas e à subida ao Monte Carmelo, “pedi a Nossa Senhora do Carmo a cura duma chaga que me fizera no pé durante a viagem. Esta chaga contra todas as previsões estava curada no dia seguinte; desde então fiquei sempre convencido de que devia este favor a Nossa Senhora do Carmo. Fiquei-lhe reconhecido para sempre.”
(NHV, II, 126)

7.
Ainda durante a viagem ao Oriente, “durante dois dias, 22 e 23 de Maio de 1865, “a febre quebrou-me as forças. O meu companheiro percorreu pormenorizadamente Tróia, que eu simplesmente avistei… Nesses dois dias realmente eu sentia-me mal. Recorri ao meu grande médico, a Santíssima Virgem e estou convencido que a sua intercessão me sarou.”
(NHV, II, 145)

8.
Em Roma, nos anos de seminaristas, Leão Dehon não se furtava a esforços: “Eu procurava a união com Deus por vezes com tensão de espírito e por isso apanhei algumas dores de cabeça.”
(NHV, III, 48)

9.
“Este ano lectivo pôs à prova e muito a minha saúde. As repetições de estenografia somavam-se cada dia às aulas normais; apanhei um esgotamento cerebral completo. No começo de Junho tive de parar e ficar de cama. Eu tossia, não tinha forças, tinha todos os sintomas de tuberculose. O bom Pe. Brichet receava uma catástrofe… O que sei é que a convalescença começou desde que tomei água de Lourdes, e poucos dias depois estava pronto para partir para a minha terra natal e lá celebrar a primeira missa.”
“Também em La Capelle assistindo às minhas primeiras missas certa gente dizia: ‘Este pobre padre não celebrará muitas missas.’ Todavia a Santíssima Virgem ia trabalhando pouco a pouco. As minhas forças voltaram lentamente…”
(NHV, III, 204)

10.
Nos primeiros anos como Pároco coadjutor em São Quintino, comprometido com várias actividades, discernindo o seu futuro como religioso, foi incubando uma tuberculose.
“No mês de Maio (1978) eu estava no extremo das minhas forças, cuspia sangue; a saúde iria ficar vacilante para sempre. Era um sacrifício que o Senhor me pedia… Cada ano terá daqui em diante as suas pesadas cruzes.
Em Setembro realizou-se o Congresso se Soissons… fui muitas vezes durante as sessões vomitar sangue até encher a bacia no meu quarto…”
(NHV, VII, 85-86)

11.
“Este ano (1879), eu estava seriamente doente dos pulmões. Tive escarros de sangue e uma dor contínua ao pé do ombro anunciava-me que havia uma chaga no pulmão.”
Em pouco tempo, estava numa situação muito precária. Os médicos não lhe davam mais de três meses de vida. Em particular, a Irmã Maria de Jesus, irmã da Madre Fundadora Ulrich, ofereceu a sua vida para ser ceifada em lugar do Pe. Dehon. Depois de 10 meses, a Irmã partiu para a eternidade. O Pe. Dehon recuperou e pôde continuar a trabalhar até aos 82 anos.”
(NHV, VII, 135)

12.
“Cada ano devia ser marcado pela cruz. Nesse aspecto, a cruz foi bem distribuída neste ano (1880). Eu estava menos adoentado, mas tinha frequentes indisposições.”
(NHV, VII, 175)

13.
Quando tinha 40 anos, o aluno de São João, Guilherme Crinon, depois ordenado Padre, encontrou o Pe. Dehon no seu quarto a vomitar sangue, segundo o seu testemunho partilhado num encontro de antigos alunos em São João a 15 de Novembro de 1925. Dizia que isso aconteceu aos quarenta anos e o Pe. Dehon ainda viveu outros 40 anos.

14.
“Eu retomo os meus pequenos trabalhos quotidianos: notas, estudos, redacções. É em aparência uma grande paz. Estas flores escondem a cruz: a má saúde permanece sempre com insónias…”
(NQ T XVII 1901 41)

15.
“Nosso Senhor disse a Santa Gertrudes que a doença substitui a penitência e purifica as almas… Eu não sou assim tão penitente, mas sofro habitualmente alguma dificuldade excepcional de tempos a tempos.
Ao longo de 15 dias, eu tenho uma dor violenta na mão com inchaço e uma grande sensibilidade. Apanhei isto por um esforço ao levantar um móvel. Eu ofereço isto a Nossa Senhor, mas eu tenho tanto que expiar.”
(NQ T XVIII 1902 35)
Um bom abcesso nas gengivas faz-me sofrer durante alguns dias. Tanto melhor, eu tenho tanta necessidade de expiação.
NQ XVIII, 1903, 56

16.
No dia seguinte à chegada a Roma (1904): “apanho uma gripe com febre, debilidade geral, com ataque de gota na mão e dor de costas. A minha permanência será um período de reparação e expiação. Melhor! Não obstante posso manter-me em pé e começar a fazer algumas visitas cada dia.”
(NQ T XVIII 1904 127-128)

17.
“No mês de Julho (1904) de volta a São Quintino, desde há vários dias tenho fortes dores de estômago. Passo mal as noites. Por outro lado nunca estou sem sofrer um pouco, e é uma grande graça, tenho tanto que expiar.”
(NQ T XIX 1904, 1)

18.
Operação à vista, por causa do lacrimejar constante de um dos seus olhos, desde há um ano, em Namur, na Bélgica.
Eu tenho, desde há um ano, o olho direito lacrimejante, por causa de um encolhimento ou de obstrução do canal lacrimal. É embaraçoso, faz-me ter sempre o lenço na mão, mesmo durante a missa. Eu tentei em vão aplicar colírio. Decidi-me ir a Namur submeter-me a uma operação de desobstrução do canal lacrimal. Fui a Namur segunda 30 ao Novo Instituto de Oftalmologia. O Dr. Bribosia depois de ter anestesiado o meu olho com cocaína, fez-me a primeira limpeza e injecções na terça de manhã, depois introduziu a sonda por dois dias. Isto doeu e foi bastante incómodo. Eu dormi graças a cápsulas de sulfanol.
(NQ T XIX, 1905, 68-69)

19.
“Um tipo de erisipela incha-me a cabeça, tudo se resume em borbulhas e herpes. Tenho para 3 semanas. É bom expiar um pouco por todos os membros”.
(NQ T XIX, 1905, 75)
A 22 de Maio vomitei muito sangue. Será um novo ataque de tísica? Terá sido provocada pela humidade do meu quarto?
(NQ XIX 1905, 76


20.
Em Julho, “nestes dias tive várias vezes escarros de sangue. São advertências: Nosso Senhor não prolonga a minha vida para que a viva na tibieza, mas para que a santifique.”
(NQ T XX, 1906, 52)

21.
Durante a sua viagem pela América Latina, em 1906, no dia 21 de Dezembro, depois de uma noite péssima e uma violenta tempestade no mar, o barco em que seguia o Pe. Dehon passou algumas horas em Montevideu.
“Não desembarco em terra, porque tenho a cara inchada devido a um fluxo. O Médico goza de mim dizendo que masco tabaco como os seus marinheiros. Leio uma bela reflexão de David: Estou prestes a cair, a minha dor está sempre presente… É necessário aceitar o sofrimento para espiar as nossas culpas (Sl 37).”
(NQ T XXII, 1906, 142)

22.
(3 de Abril) Em Roma dei um trambolhão na berma do passeio, não é nada, pode ser uma pequena advertência providencial.
(NQ XXIII, 1907, 54)
Em Roma, “eu padeço violentamente de nevralgias durante alguns dias. O dentista remediou-as.
(NQ XXIII, 1907, 63)

23.
Algumas misérias: nevralgia, abcesso, tudo isto paga dívidas espirituais.
(NQ T XXIV, 1908, 49)

24.
“Eu queria trazer um cinto ou cilício, mas a saúde obriga-me, ao longo de 20 anos, trazer um cinto que é duro e incómodo; eu aceito-o como instrumento de mortificação…”
(NQ T XXXIV, 1912, 177)

25.
“Hoje tenho uma pequena doença muito dolorosa, uma cistite. Há expiações necessárias. Há tanto para reparar por mim e pelos outros! É uma boa preparação para o Natal.”
(NQ T XXXIV, 1912, 184)

26.
“Não posso ir ter convosco antes do verão. Tenho uma bronquite que dura já alguns meses. Abençoo a todos paternalmente…”
(Carta do Pe. Dehon ao Pe. Pedro van Hommerich, reitor de Bergen op Zoom, de 4 de Dezembro de 1912)

27.
Eu bem sei que é preciso praticar macerações, velhas e novas, para chegar à contemplação. Para mim estas mortificações não são impostas pela Providência: eu tenho pouco sono à noite; uma enfermidade obriga-me a trazer um cinto penoso, o estado do meu estômago obriga-me a diversas privações…”
(NQ T XXXV, 1913, 43)

28.
“Fiz duas novenas para ser curado da bronquite que me fatiga, mas Nosso Senhor não me quer curar.
Na minha idade, a vida está toda cheia de doenças, de sofrimentos e de incapacidades. Possa eu fazer de tudo isso uma boa reparação para mim e para os outros!”
(NQ T XL, 1916, 67)

29.
“Eu começo o ano com alguns sofrimentos: uma queda, um forte entorse e um cansaço geral. Porque não? Não tenho eu bastante para expiar antes de terminar a minha vida e não me ofereci como vítima ao Coração de Jesus pelo seu Reino e pelas almas?”
(NQ T XLV, 1925, 8)

30.
Em Julho de 1925, uma epidemia de gastroenterite assolou Bruxelas. O Pe. Dehon, que não deixa de visitar os seus confrades doentes, é acometido, ele mesmo, pela epidemia. Contudo, não muda nada os seus hábitos e assiste regularmente aos exercícios da comunidade.
Na noite de 9 para 10 de Agosto, uma complicação cardiovascular coloca a sua vida em risco. Foi esta complicação que o levou à morte, nas palavras de um médico assistente: “Morre curado!” isto é, curou-se da gastroenterite, mas o coração não resistiu.
Na manhã do dia 11 de Agosto, o padre assistente prepara-o para o desenlace, que se aproximava, e na presença de toda a comunidade, administrou-lhe o sacramento dos enfermos. O Padre Dehon renovou os seus votos religiosos e pediu perdão à comunidade pelas faltas e falhas.
A agonia começou pela manhã do dia 12 de Agosto, interrompida apenas por estas palavras, pronunciadas com dificuldade, fixando o seu olhar na imagem do Coração de Jesus: “Por Ele vivi, por Ele morro”. Foram as suas últimas palavras. Adormeceu na paz do Senhor, pelas 12H10.
(Das lembranças de D. Philippe, escritas em 1952, em alemão, traduzidos em italiano pelo Pe. Lellig para o Pe. Memolo, pp. 286.296 (P. Mtz. de Alegría scj).

Conclusão
No seu corpo quase sempre adoentado, sobressaía uma alma vigorosa e rica, dotada de uma inteligência viva, de uma vontade enérgica e de uma sensibilidade excepcional.

O valor da dor, do sofrimento, das doenças e da mortificação nas palavras do Pe. Dehon:

A)
“Os seus sofrimentos são um tesouro,
que Nosso Senhor põe nas suas mãos,
para que consiga graças de fidelidade
e de vocação para várias pessoas.
É nas provas que se reconhece os seus amigos.
Mostre-se então bem generoso.
Faz mais bem à Obra com um mês passado na cama com paciência,
que com um ano passado em acção e nas obras.”

(Carta do Pe. Dehon ao noviço Falleur que estava acamado a 18 de Setembro de 1880, AD, B 20/13)

B)
“Ofereça os seus sacrifícios ao Coração de Jesus
pela sua obra e para as almas que já não pode evangelizar mais.
O apostolado do sofrimento é o mais fecundo.”
(Carta do Pe. Dehon ao Pe. Kusters, de 27 de Janeiro de 1901, AD, B 19/5)

C)
“Uma pequena humilhação não deve desanimá-lo.
Aceite esta pequena humilhação.
A cruz é a nossa vida.
Uma cruz vale 500 rosários.”
(Carta do Pe. Dehon ao Pe. París de 15 de Maio de 1913, AD, B 20/7.4)

D)
“Eu sofri muito durante a minha vida, quer porque Nosso Senhor aceitou o meu acto de oblação e me enviou algumas boas cruzes, quer porque Ele me puniu na medida das minhas faltas para poder perdoar-me…”
(NQ T XL, 1917, 133)

E)
Para nós possa uma pia mortificação e uma perfeita resignação à vontade de Deus, substituir o martírio.
(NHV, III, 126)

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