quinta-feira, 24 de abril de 2025

Ovos e amêndoas de Páscoa


Ovos pascais

Durante séculos a abstinências quaresmal abrangia o consumo dos ovos. Por isso, chegando a Páscoa, havia necessidade de consumir os ovos quanto antes para não se estragarem. Por isso os ovos lembravam a chegada da Páscoa. Quando deixou de fazer parte da abstinência, a tradição continuou a usar os ovos conforme estava habituada, alargando a apresentação de ovos de chocolate, de açúcar e de folares.

Além disso, os ovos estão ligados à Páscoa por outra via. Santo Agostinho (354-430) dizia que a esperança é como um ovo. O ovo embora já seja uma realidade (algo que existe empiricamente), ele não é um fim em si mesmo: transporta dentro de si algo mais, que ainda não se vê, mas que se intui que exista (o pintainho), porque existe o ovo. Portanto, quando vemos um ovo, não vemos apenas o ovo em si, mas algo mais: a esperança que o ovo transporta dentro de si (o pintainho).

Esta metáfora elucida-nos sobre a importância da esperança: a capacidade de ver algo mais na realidade do que aquilo que a realidade nos permite ver “à primeira vista”. A esperança não é tanto o ver coisas novas, mas ver as coisas de um modo novo. Porque a nossa vida não se reduz a este mundo, somos «peregrinos da esperança» em direção à eternidade.

Por esta razão, na relação com Deus não nos basta apenas alimentarmo-nos da fé e da caridade, precisamos também de ovos, ou seja, da esperança conforme as palavas de C. Péguy. Sem esperança, a fé corre o risco de se reduzir a uma filosofia transitória e a caridade, a uma mera filantropia. Em rigor, é a esperança que distingue um cristão de todos os outros (1Ts 4,13).

É por tudo isso que a tradição dos ovos faz parte da Páscoa e da esperança.

 

Amêndoas pascais

A amendoeira é uma das primeiras árvores a florescer, rompendo a longa noite invernal e anunciando a luminosa manhã da primavera. Por isso, tornou-se símbolo de renovação e esperança, mesmo em condições difíceis.

Há quem identifique na amendoeira a figura de Cristo. Em Jeremias (1,12), ao contemplar o ramo que floresce, percebe o nascimento do Messias; em Eclesiastes (12,5), na “amendoeira que abre em flor”, vê a ressurreição após a morte na cruz; e, em Números (17,23), na vara de Aarão — florindo e produzindo amêndoas —, reconhece a força redentora da Cruz como “vara florida”.

Tal como a amêndoa guarda um fruto saboroso atrás de duas cascas, uma amarga e outra rija, a Cruz revela, a princípio, sofrimento e aflições, mas depois amparo e fortaleza, até se revelar suave e saborosíssima em seu fruto redentor.

Na antiguidade, gregos e romanos envolviam a amêndoa em mel, e a tradição judaica mantinha o seu uso em celebrações e rituais.

A partir do século XVI, com a chegada do açúcar os conventos e mosteiros portugueses produziram amêndoas cobertas em camadas de açúcar, utilizando técnicas difundidas em França.

Seja na vida que brota após a aridez do inverno ou nas tradições dos doces conventuais, as amêndoas da páscoa continuam a dizer-nos que há um fruto escondido dentro das cascas amargas da vida, promessa de ressurreição.

 

À margem:

O coelhinho está amuado porque ninguém vê a sua ligação com a Páscoa.


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