Ovos pascais
Durante séculos a abstinências quaresmal abrangia o
consumo dos ovos. Por isso, chegando a Páscoa, havia necessidade de consumir os
ovos quanto antes para não se estragarem. Por isso os ovos lembravam a chegada
da Páscoa. Quando deixou de fazer parte da abstinência, a tradição continuou a
usar os ovos conforme estava habituada, alargando a apresentação de ovos de
chocolate, de açúcar e de folares.
Além disso, os ovos estão ligados à Páscoa por outra
via. Santo Agostinho (354-430) dizia que a esperança é como um ovo. O ovo
embora já seja uma realidade (algo que existe empiricamente), ele não é um fim
em si mesmo: transporta dentro de si algo mais, que ainda não se vê, mas que se
intui que exista (o pintainho), porque existe o ovo. Portanto, quando vemos um
ovo, não vemos apenas o ovo em si, mas algo mais: a esperança que o ovo
transporta dentro de si (o pintainho).
Esta metáfora elucida-nos sobre a importância da
esperança: a capacidade de ver algo mais na realidade do que aquilo que a realidade
nos permite ver “à primeira vista”. A esperança não é tanto o ver coisas novas,
mas ver as coisas de um modo novo. Porque a nossa vida não se reduz a este
mundo, somos «peregrinos da esperança» em direção à eternidade.
Por esta razão, na relação com Deus não nos basta
apenas alimentarmo-nos da fé e da caridade, precisamos também de ovos, ou seja,
da esperança conforme as palavas de C. Péguy. Sem esperança, a fé corre o risco
de se reduzir a uma filosofia transitória e a caridade, a uma mera filantropia.
Em rigor, é a esperança que distingue um cristão de todos os outros (1Ts 4,13).
É por tudo isso que a tradição dos ovos faz parte da
Páscoa e da esperança.
Amêndoas pascais
A amendoeira é uma das primeiras árvores a florescer,
rompendo a longa noite invernal e anunciando a luminosa manhã da primavera. Por
isso, tornou-se símbolo de renovação e esperança, mesmo em condições difíceis.
Há quem identifique na amendoeira a figura de Cristo. Em
Jeremias (1,12), ao contemplar o ramo que floresce, percebe o nascimento do
Messias; em Eclesiastes (12,5), na “amendoeira que abre em flor”, vê a
ressurreição após a morte na cruz; e, em Números (17,23), na vara de Aarão —
florindo e produzindo amêndoas —, reconhece a força redentora da Cruz como
“vara florida”.
Tal como a amêndoa guarda um fruto saboroso atrás de
duas cascas, uma amarga e outra rija, a Cruz revela, a princípio, sofrimento e
aflições, mas depois amparo e fortaleza, até se revelar suave e saborosíssima
em seu fruto redentor.
Na antiguidade, gregos e romanos envolviam a amêndoa
em mel, e a tradição judaica mantinha o seu uso em celebrações e rituais.
A partir do século XVI, com a chegada do açúcar os
conventos e mosteiros portugueses produziram amêndoas cobertas em camadas de
açúcar, utilizando técnicas difundidas em França.
Seja na vida que brota após a aridez do inverno ou nas
tradições dos doces conventuais, as amêndoas da páscoa continuam a dizer-nos
que há um fruto escondido dentro das cascas amargas da vida, promessa de
ressurreição.
À margem:
O coelhinho está amuado porque ninguém vê a sua ligação com a Páscoa.
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