Carta
aos missionários, escrita pelo Pe. Dehon há 100 anos atrás.
O
Pe. Dehon escreveu mais ou menos ao mesmo tempo três cartas aos seus
missionários que se preparavam para a Suécia, para o Brasil e para o Canadá. A
primeira parece ter sido para os da Suécia. A introdução da carta aos missionários para o Brasil e para o Canadá é a mesma que a da Suécia. A do Brasil talvez foi
escrita em 1919 (doze páginas manuscritas em francês) logo a seguir à Primeira
Grande Guerra quando novos missionários se preparavam para ir até ao Brasil.
O
Pe. Dehon visitou os seus missionários no Brasil em 1906
Aos
meus missionários para o Brasil
Aos
meus missionários
Quero
deixar um incentivo especial aos meus queridos missionários. Eles vão para longe
trabalhar no reino do Coração de Jesus à custa de grandes sacrifícios e grandes
fadigas.
A
sua vida é uma vida de reparação e de imolação como exige a nossa vocação. Que
eles sejam generosos até o fim. Que o seu desejo seja morrer em missão para que
o seu sacrifício seja completo e sem reservas. Que eles tenham em tudo uma
intenção pura e uma visão sobrenatural.
Santo
Inácio dizia àqueles que partiam para as missões distantes: "Lembre-te,
meu irmão, que é o próprio Senhor que te envia às praias estrangeiras para seres
o seu homem de negócios, o seu intendente, como se diria vulgarmente.”
Quanto
a nós, devemos ser inteiramente inflamados do desejo de fazer conhecer e amar o
Bom Mestre e o amor maravilhoso que o seu divino Coração nos testemunhou em
todos os seus mistérios e que ainda nos manifesta todos os dias na Sagrada
Eucaristia.
Para o brasil
Também
no Brasil já demos algumas vítimas para o reino do Coração de Jesus. Perdemos
ali alguns sacerdotes piedosos e zelosos que oram pela missão.
Considero
esta missão muito importante. O Brasil cresce rapidamente. Chegará a 40, a 50
milhões de habitantes. Ele será relevante no mundo. A Maçonaria e o Protestantismo
entendendo isso, dirigem para lá os seus esforços. O clero não é ali muito
numeroso, as vocações são raras. Este povo poderá tornar-se como Portugal e entregar-se
às mãos dos sequazes do Anticristo.
Os
missionários europeus podem salvar a fé do Brasil; mas se os religiosos fossem
excluídos do Brasil, como foram de Portugal e da França, a Igreja do Brasil
correria graves perigos.
Como
foi lindo o começo da Igreja do Brasil! Eram santos os jesuítas que chegaram lá
com o primeiro fervor da sua ordem. Eles viviam na pobreza e no sacrifício, eles
semearam milagres sob os seus passos.
O
povo tem uma veneração particular, mas fervorosa, pelo padre António Vieira,
padre José de Anchieta, padre Nóbrega. Esse culto de reconhecimento e de admiração
é precioso. Os nossos Padres devem procurar mantê-lo editando e divulgando as biografias
desses santos bem como breves notas com imagens.
As
reduções ou colónias de Índios organizadas pelos missionários eram uma
maravilha da vida social cristã, fazendo lembrar as primeiras comunidades
cristãs na Palestina. Estudai a história dessas colónias, ó socialistas, e vereis
que para formar uma comunidade segundo o vosso ideal, será preciso primeiro
fazer reinar entre os homens a humildade, o desapego, o sacrifício, a caridade,
a dedicação fraterna. Isso só pôde vingar entre os primeiros cristãos,
totalmente impregnados pelo espírito do Calvário, entre os Índios do Brasil e
do Paraguai, que o batismo tornou simples como crianças, e ainda nas
comunidades religiosas. Vamos lá, senhores socialistas, gostais do comunismo e da
igualdade. Tornai-vos trapistas ou ressuscitai as reduções do Paraguai sob a
direção dos jesuítas.
A
influência portuguesa que tinha sido tão favorável ao Brasil pela ação dos
jesuítas, tornou-se-lhe perniciosa pela tirania do Marquês de Pombal, loucamente
apaixonado pelas utopias da Filosofia do século XVIII. Ele precisava devorar um
jesuíta por dia. Ele foi o gênio mau do seu país e teve na Europa uma
influência ruinosa.
O
Brasil atualmente tem bons indícios de ressurreição. O seu clero organiza-se e
os religiosos europeus dão-lhe um contributo considerável.
Fomos
chamados para lá pela bela família De Menezes, que imitou em Pernambuco as
obras sociais cristãs do Sr. Harmel de Val-des-Bois. Atualmente exercemos o
ministério paroquial em quatro dioceses.
A
fé do povo é tradicional, é pouco esclarecida e misturada com superstições. O
povo é iletrado e escapa assim ao perigo da má imprensa, mas é preciso prevenir
esse perigo.
O
Brasil necessita de muito clero e de intenso trabalho. Três inimigos estão ali
em ação: O Protestantismo, a Franco-maçonaria e o Positivismo.
O
protestantismo tem pouca penetração na população indígena, muito apegada a
manifestações e ao brilho do culto católico. Alguns nativos pobres deixam-se
agarrar por dinheiro. Missionários zelosos e piedosos poderão facilmente tornar
inócuo esse cancro.
A
velha Maçonaria do Brasil era quase inocente, não atacava o catolicismo e vivia
de certa forma em harmonia com ele. Mas a vinda de imigrantes europeus mudou
isso. Entram nas Lojas Brasileiras e aí injetam o veneno da maçonaria europeia,
o desprezo e o ódio da Igreja, o espírito de perseguição e a preferência a tudo
o que é anticatólico. É o exército do Anticristo que se prepara.
Os
nossos missionários devem ser muito cautelosos diante dessas sociedades. O
catecismo deve ensinar que elas são condenadas pela Igreja por causa de sua
organização secreta e por causa das tendências que manifestam, na Europa
especialmente, mas também na América de maneira impercetível. Os jornais
inspirados pelo seu espírito antirreligioso devem ser condenados como perigosos
para a salvação das almas e para o bem da sociedade.
Os
nossos padres dirão às suas ovelhas que o Protestantismo é um navio sem
bússola. Os Protestantes formam milhares de seitas. Eles não têm chefe, nem
guia, nem símbolo. Eles não são uma igreja, eles são exatamente o contrário.
Nosso Senhor organizou uma Igreja com um chefe supremo, sucessor de Pedro, e um
episcopado que sucede aos apóstolos. Ele quer que haja um só rebanho sob o
comando de um só Pastor e que os Bispos governem a Igreja em união com o seu
chefe supremo, que é o vínculo da unidade.
Lutero
e seus semelhantes não reformaram nada, eles deformaram o culto, o dogma e a moral.
Surpreende
como o Positivismo ensinado por Augusto Comte fez prosélitos no Brasil. Os
positivistas têm ali algumas capelas. No fundo, Comte é ateu. Ele herdou isso
dos piores filósofos do século XVIII. Ele está abaixo de Voltaire, de Rousseau,
de Robespierre, que eram deístas. Voltaire teve pelo menos a sabedoria para
reconhecer o Criador nas suas obras: "O universo impressiona-me e não
consigo pensar esse relógio sem um relojoeiro". Ele exprimia assim a prova
convincente da existência de Deus baseada na maravilhosa organização do mundo.
No
entanto, Comte percebendo que o homem é um ser naturalmente religioso queria
apresentar-nos um novo culto organizado por todas as peças. É o culto da
Humanidade, com ritos e iniciações que nos lembram os nossos sacramentos. É uma
verdadeira palhaçada. Ninguém levou isso a sério na Europa. Espero que o Brasil
logo se desfaça dessa excrescência, para sua própria honra.
O
que é o culto da Humanidade? O homem adora a sua raça, a sua família humana.
Não há razão para isso: a humanidade caída não é uma coleção de misérias e de vergonhas?
Só conheço uma Humanidade que é adorável, a de nosso Senhor Jesus Cristo, Deus
e homem.
Se
Comte por positivismo entende o estudo do passado e a aceitação de tudo o que faz
progredir o Verdadeiro, o Belo e o Bem, somos todos positivistas, mas
acreditamos que a ajuda da Igreja, assistida por luzes divinas, nos é muito
necessária para nos guardar do erro nesse estudo do passado.
Acima
de tudo, queridos missionários, lembrai-vos que a primeira condição de sucesso
nas missões é a santidade. Os primeiros apóstolos do Brasil eram santos e
implantaram ali essa fé da qual encontrareis restos ainda muito vivos.
Ide
com ardente desejo de viver lá como santos. Preparai-vos antes da partida com
um retiro. Levai juntamente com a Regra e o Diretório, livros de leitura
espiritual, bem escolhidos e bem adaptados à vossa vocação de missionários do
Coração de Jesus.
Uma
vez lá, reagi contra a tentação de dispersar demais as vossas forças. Devemos
exercer o apostolado levando uma vida comunitária. As nossas Constituições
exigem isso. Formai grupos. Tende uma casa central onde poderão fazer os
retiros comunitários. Fazei os vossos exercícios espirituais de cada dia em
comum. Em cada grupo, é preciso haver um regulamento que exija exercícios
espirituais.
Sede
muito prudentes nos vossos relacionamentos exteriores. Aceitai poucos convites.
Fazei apenas visitas que sejam úteis para o vosso apostolado.
A
adoração reparadora é entre nós um exercício fundamental, é a prática
característica da nossa Congregação.
Não
nos devemos contentar com a adoração privada, é preciso a adoração oficial, com
o tabernáculo aberto. É com este ato de fé e de piedade que conquistareis o
povo. É aqui que cumprimos diante do Coração de Jesus os nossos deveres de
adoração, de amor, de reparação e de oração.
Para
alcançar as almas, organizai o apostolado associativo. Formai irmandades do
Coração de Jesus com reuniões regulares e um objetivo apostólico. Esses grupos
separados de homens e de mulheres serão os vossos auxiliares. Eles vão
ajudar-vos a reerguer as paróquias. Eles procurarão as crianças para batizar e
instruir, os casamentos para regularizar, os doentes para visitar, os pecadores
para converter. Eles vos fornecerão catequistas voluntários. Eles prepararão as
festas populares que aproveitareis para promover as confissões e as comunhões.
São
estes alguns conselhos muito breves e simples, meditá-los-ás diante do Coração
de Jesus que derramará sobre eles a sua unção.
A
Ele peço humildemente que faça frutificar o vosso apostolado e vos conceda as
melhores bênçãos.
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