segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Cenas de Misericórdia

Ou a Misericórdia em ação.

Personagens:
Narrador, Madalena, Joaquina, Voz off, Mendigo, Prisioneiro, Prostituta, Sacerdote.

Narrador:
- No fim da celebração da missa, numa paróquia da nossa cidade, duas senhoras aproximaram-se do Sacrário e fizeram, cada uma, o seu pedido.
Madalena:
- Senhor, neste dia, queria convidá-lo para cear comigo. Estou sozinha, não tenho muito, mas gostaria que passasse lá por casa.
O Senhor fez-se-lhe ouvir: (voz off)
- Sim, irei a tua casa. Vai e aguarda a minha visita.
Joaquina:
- O quê? Esta pobretana convidou o Senhor para cear com ela? Sabe lá o que é uma ceia! Eu vou preparar um magnífico banquete para o Senhor e vou já convidá-lo. Senhor, nesta noite vou ficar por casa e queira dar-me a honra da vossa presença na minha mansão?
O Senhor fez-se-lhe ouvir: (voz off)
- Sim, irei a tua casa. Vai e aguarda a minha visita.
Narrador:
- Ao chegar a casa a Joaquina começou de imediato a fazer planos.
Joaquina:
- Vou já pôr em movimento todos os meus empregados para deixar tudo impecável para quando o Senhor chegar. Prepararei a melhor receção de sempre, com tudo o que há do bom e do melhor.
Narrador:
- Entretanto a Joaquina foi surpreendida por alguém que bateu à porta. Era um mendigo…
Mendigo:
- Boa noite, minha senhora, por favor dê-me um pouco de comida, um pão serve. Há quatro dias que não como nada.
Joaquina:
- Olhe, meu amigo, estou à espera de um convidado muito especial e como você deve compreender não tenho muito tempo para atender a si. Hoje não posso. Volte outro dia… ou bata a outra porta…
Narrador:
- O mendigo foi embora sem nada levar. Mas não desistiu e bateu a outra porta.
Mendigo:
- Muito boa noite, minha senhora. Por favor dê-me algo para comer. Há quatro dias que não tomo nada…
Madalena:
- Meu filho, também sou pobre e sei o que é passar fome… Tome estes dois pães… Estavam reservados para uma visita que espero… mas tudo se arranjará. Vá assim reconfortado com este pouco.
Narrador:
- Na mansão da Joaquina tudo brilhava e estava preparado para o lauto banquete. Eis que novamente alguém bateu à porta.
Joaquina:
- Desta vez será o Senhor… Vou já…
Prisioneiro:
- Boa noite minha senhora… preciso da sua ajuda… não tenho família, foi liberto hoje da prisão e só preciso de uma pequena ajuda, talvez um pequeno trabalho para começar e ganhar algum dinheiro ou uma pequena esmola. Pode então ajudar-me nalguma coisa?
Joaquina:
- Deve estar a gozar comigo… Logo neste dia em que estou superocupada vem ter comigo um desgraçado… Aqui não é a santa Casa da Misericórdia… Vá procurar ajuda noutro lugar… Desapareça… Deixe livre a minha porta pois estou à espera de alguém muito importante.
Narrador:
- O prisioneiro então foi pedir ajuda a outra porta.
Prisioneiro:
- Por favor, preciso da sua ajuda. Dê-me algum trabalho para que possa ganhar algumas moedas…
Madalena:
- Ó rapaz, trabalho não tenho para te contratar, mas tenho aqui umas pequenas moedas que te servirão para começar… Toma-as… e coragem para continuares em frente.
Prisioneiro:
- Muito obrigado. Que o Senhor lhe pague e a abençoe…
Madalena:
- Vai em paz… de facto estou à espera do Senhor, mas basta-me a sua companhia…
Narrador:
- Madalena estava admirada pelo Senhor ainda não ter chegado. Joaquina já estava cansada e impaciente pela demora…
Joaquina:
- A comida vai esfriar… E nem quero pensar que se pode estragar… Mais valia ter marcado exatamente a hora… pois tenho mais que fazer. Onde é que já se viu ficar assim uma pessoa dependurada à espera… mas talvez o Senhor não tenho um relógio tão perfeito como o meu…
Narrador:
- Enquanto assim pensava no seu coração a campainha suou… Ela pôs-se de pé num salto e de imediato abriu a porta… e grande desilusão!
Joaquina:
- Mas que significa isto… O que faz uma mulher de má vida à minha porta? Desanda… não quero que ninguém a veja por cá…
Prostitua:
- Boa noite… Preciso só de um casaco velhinho para me abafar…
Joaquina:
- Aqui não há nada velho. Era só o que faltava!
Prostituta:
- Então podia fazer o favor de me dar um casaco novo? Também serve…
Joaquina:
- O que pensaria o meu convidado especial se a visse cá?! Volte para a sua vida suja… e não me comprometa.
Narrador:
- E com violência Joaquina virou as costas à mulher fechando-lhe a porta na cara. A mulher, a tremer de frio, foi bater à outra porta.
Madalena:
- Finalmente, deve ser o Senhor…
Prostituta:
- Boa noite… Estou cheia de frio… Podia dar-me algo para me cobrir? Um casaquinho velho serve.
Madalena:
- Claro. Olhe, fique já com este que trago aos ombros… E espere, leve também esta mantinha…
Prostituta:
- Obrigado, minha Senhor… Que Deus lhe pague a sua generosidade.
Madalena:
- Não tem de quê. Com tantas pessoas a precisar de ajuda, com certeza que Deus não se vai lembrar de mim… Vá na paz de Deus.
Narrador:
- Madalena e Joaquina não percebiam a demora do Senhor. Teria acontecido algum imprevisto? A Joaquina começou a desconfiar que o Senhor estaria com certeza na casa da Madalena, pobre criatura... Ele não sabia o que estava a perder. Por sua vez a Madalena pensava que talvez o Senhor estivesse a ajudar quem mais precisasse, talvez até a sua vizinha rica, a Joaquina.
E logo pela manhã foram as duas para a Igreja para junto do sacrário.
Iam começar a questionar o Senhor… quando ouviram o Sacerdote a proclamar:
Sacerdote:
- Vinde benditos de meu pai… Pois tive fome e destes-me de comer… tive sede e destes-me de beber… era peregrino e me acolhestes…
Madalena:
- E quando, Senhor, é que te vi com fome, com sede, peregrino e te dei de comer e te acolhi?
Sacerdote:
- Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus pequeninos foi a mim que o fizestes… Fui a mim que me deste os dois pães, as últimas moedas… ou o teu casaco e a mantinha de ontem à noite.
Joaquina:
- Calma aí! Isso não vale. Quer dizer que o Senhor me veio visitar, mas disfarçado? Como é que eu devia saber que era Ele? Já sei o que vou fazer daqui para a frente: terei muito cuidado em atender quem se aproximar de mim… talvez seja o Senhor disfarçado. Que Deus tenha misericórdia de mim!


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